O PRIMEIRO DIA DE AULAS
Não me lembro do primeiro dia de aulas, mas calculo que
tenha havido recreio, no grande jardim do colégio cheio de arvoredo (...), e
talvez tenha havido uma ou outra lição. Mas lembro-me do primeiro dia de aulas
do ano seguinte, pois quem presidia a aula nessa aula de chegada era Madre
Cecília, que foi também a nossa professora desde a primeira classe até à quarta
classe.
Era uma ótima professora e ria
muito connosco e, às vezes, no meio da aula, quando estávamos na primeira
classe, voava uma caixa recheada de rebuçados e chocolates que se abria no meio
da sala. Dizia que era a “Caixinha do Menino Jesus”. Ela tinha coisas de
criança e por isso se entendia bem com as crianças. Às vezes tomava um ar muito
severo e ralhava com uma cara muito zangada, mas daí a um bocado estava-se a
rir. Muitas vezes tinha um ar tão infantil que me parecia mais infantil que eu.
Durante o primeiro verão de
férias, um dia perguntaram-me como era o meu colégio e eu comecei a contar
histórias da Madre Cecília e a imitá-la, o que fazia as crianças e mesmo as
pessoas crescidas rirem-se muito.
Depois das primeiras férias,
quando em outubro voltei para o colégio, mal entrei na aula vi a cara da Madre
Cecília. Uma cara redonda e sorridente como a cara dos anões da floresta e, mal
ela me viu, abriu um sorriso ainda maior e, quando lhe fui falar, ela, com
muitas exclamações e saudações, abriu um grande abraço e perguntou pelo meu
verão e disse:
– Sophia, sente -se ali para eu
ver bem a sua carinha, de que já tinha tantas saudades.
Fui-me sentar em frente dela e
senti-me comida de vergonha e remorso porque durante todo o verão tinha estado
a fazer troça dela. Não sei com que palavras pensei este problema, mas senti
que não podia encarar a Madre Cecília enquanto me sentisse um traidor que pelas
costas tinha feito troça dela. Compreendi que, de qualquer forma, tinha que me
libertar desse peso insuportável. Acabei por me levantar, fui à carteira dela e
disse:
– Madre Cecília, quero dizer-lhe
uma coisa. Durante as férias imitei-a, fiz troça de si. E as pessoas riram de
si.
Por uns instantes o olhar dela olhou-me fixo, depois
riu e disse:
– Sophia, então imite-me para eu
me rir também.
Meia tartamuda, procurei
imitá-la em frente dela, o que me custou bastante. Quando acabei, ela riu-se
imenso, deu-me um abraço, um beijo, e disse-me:
– Agora vá estudar.
Nesse dia aprendi que dizer a verdade é o melhor
caminho.
outubro de 1998 (excerto de um depoimento sobre o primeiro dia de aulas