UM NOVO INTERESSE
Adquiri um novo interesse na escola. Nada tinha a ver com o estudo mas refletiu-se nele.
Desde o começo das aulas eu havia reparado na Júlia. Não que ela fosse a menina mais bonita da aula. Olhando bem era até um bocadinho gorda para além da conta. Mas, quando sorria, a Júlia como que brilhava. O sorriso era grande, abria-se no rosto, tomava-o todo. Eu achava que nunca vira ninguém sorrir assim. Olhava a menina de longe, desejando aproximar-me, ser amigo dela, mas sem coragem. Um dia ela procurou-me para perguntar qualquer coisa. E sorriu só para mim. Desde então passei a desejar vê-la sorrir e a procurar agradar-lhe com palavras e pequenos presentes. Guardava para a Júlia a fruta mais bonita, uma flor, um desenho e até um lápis grande, diferente de todos os que a avó Lídia me dera. Achava sempre alguma coisa para perguntar à menina e tinha sempre uma resposta comprida para as perguntas dela. A Júlia aceitava os meus presentes e às vezes retribuía-os. Começava a pensar que tinha arranjado uma amiga. Não lhe falava de tudo, procurava mostrar-lhe o meu lado melhor. Não podia competir com os outros nos desportos. Então, para ser notado pela nova amiga, estudei mais, esmerei-me nos trabalhos de casa, li histórias para ter que lhe contar e mostrar.
E certa vez alguém perguntou se éramos namorados. Tive um susto alegre e fiquei a interrogar-me. Namorados? Será que éramos? Teria eu encontrado uma namorada? Quem sabe se era verdade? Mas não me decidia a perguntar à Júlia. Talvez ela também não soubesse se éramos ou não namorados e talvez se zangasse comigo.
Achei melhor guardar a dúvida em segredo.
Ilsa Lima Monteiro, Abram a Porta ao Meu Pai,
Ed. Caminho