segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

 A SEMENTINHA

   Impressionante, o cheiro da terra que comprimia o seu corpo de semente.
   (...)
   Não podia falar porque a terra quente, abafando tudo, transformava as suas palavras em silêncio. Pensou em outras sementes aprisionadas, sofrendo também a mesma angústia de humilde espera.
   Até que um dia, uma absoluta calma substituiu seus pequenos frémitos e uma espécie de sono paralisou-a; só foi despertada por um grande ruído. A terra estremecia de medo porque a natureza trovejava. Sentiu o baque da chuva sobre o solo e o cheiro gostoso do chão que estava sendo molhado. Depois... as gotas de chuva introduzindo-se, infiltrando-se até ao âmago da terra... Vinham cansadas da longa viagem que tinham feito do céu através do espaço zangado...
   A alma da sementinha despertou porque as gotas se aproximavam cada vez mais. Até que seu dorso foi arrepiado pela frialdade do líquido e uma voz clara falou:
   - Ei, menininha! Agora você pode libertar-se; agora você pode perfurar a terra e alcançar a liberdade.
   A muito custo ela abriu os olhos de semente e gaguejou:
   - Boa noite, senhora!
   A gota de água riu.
   - Não é noite, não, menininha. É dia!...
   - Como podia saber, se aqui sempre é tão escuro?...
   A chuva riu.
   A semente perguntou, amedrontada:
   - Como é que a senhora sabe de tudo?
   - Ora, meu bem, eu sou uma velha chuva cansada de ser chuva.
   - Para onde vai agora a senhora?
   - Agora? Vou, juntamente com as minhas irmãs, criar uma nascente que, com o correr dos anos, virará um grande rio. Durante muito tempo serei esse rio, até que um arco-íris me beba e me transforme de novo em chuva...

José Mauro de Vasconcelos, Rosinha, Minha Canoa

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