FALAM OS BAGOS DE TRIGO
Metidos numa arca velha, desde que o António Seareiro os guardara para semente, os bagos de trigo tinham acabado por adormecer naquela escuridão de muitos meses, julgando talvez que estavam esquecidos e ali ficariam a apodrecer o resto da vida.
Ignoravam, pois, que o Doirado, um boi amarelo todo paciência e poder, já lavrara com a charrua, no outono, a parte da leiva destinada à semeadura e que o António preparava a grade com que desfaria os torrões do alqueive, na esperança de uma boa colheita, tanto mais que já comprara um saco de adubo para revigorar a terra cansada.
Só quem vivesse a apatia dorminhoca dos bagos resignados poderia entender depois o entusiasmo e a alegria que rebentaram na velha arca mal a Maria Rita lhe levantou a tampa e a luz do dia os sacudiu. Até o Serrano - vejam lá! -, um bago anafado e sempre resmungão, se pôs a saltitar de contentamento, como se percebesse, o maroto, o destino que lhe reservavam.
E não se enganava, o espertalhão!
Alves Redol, A Vida Mágica da Sementinha
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