sábado, 14 de novembro de 2015


As estações do ano

   As estações do ano acusam-se sobretudo pelo aspeto dos campos; e é natural que o homem da cidade, com um horizonte de fachadas, de telhados e de ónibus não dê pelas vessadas, nem pela coma dos trigos, nem pelos frutos pendentes. As árvores dos jardins e dos passeios perdem e recobram a folha; mas as plantas municipais, graças às técnicas dos jardins, distribuem-se de modo que haja sempre uns palmos de canteiro em flor, diante do citadino. Ora, isso transtorna o sentimento habitual da mudança do tempo.
   Como índice do curso dos dias resta ao emparedado o ritmo de duração dos dias e das noites,- pouco mais. É preciso ir ao campo para ver no álamo nu e na regueira barrenta da quelha a alma do Inverno, no carrapiteiro em flor a Primavera que viça, nas palhas o ardor do Verão, nos estendais da fruta o Outono que pinta os poentes. Depois,a falta de silêncio nas cidades não deixa captar os pequenos murmúrios da paisagem, nem a gasolina queimada deixa aspirar os cheiros da terra seca ou húmida. O aquecimento e as ventoinhas metem o Verão pelo Inverno dentro e o fresco pela canícula. Na ânsia de fabricar um meio físico constante, o homem urbano apaga em volta de si a natureza, e depois mal dá por ela...

Vitorino Nemésio, Viagens ao Pé da Porta

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