DOM TRISTÃO DANÇARINO
De manhã, quando Dom Tristão dormita, sente que alguém lhe vem aconchegar a manta. Abre os olhos e vê Rodrigo, que o afaga.
- Estás melhor, Dom Tristão?
O urso não pode falar; sente-se estalar de tristeza.
E Rodrigo faz uma voz alegre:
- Não te rales, Dom Tristão, isso passa! Ainda temos uns cobres... Não te aflijas!...
Um raio de sol muito vivo entra por debaixo do arco da ponte. Parece que as forças voltaram ao velho urso. Dom Tristão sacode a manta, põe-se de pé.
- Não há hoje feira na vila, Rodrigo?
- Há, sim...
- Pois tu hás de tocar e eu hei de dançar.
- Tu? Assim doente? Tem juízo!
- Sinto-me bom, queres ver?
E Dom Tristão põe-se de pé e começa a saltitar o seu velho bailado.
- Mas sentes-te com forças? Já não tens dores?
- Estou bom, Rodrigo, estou bom! Vamos à feira!
Lá vão pela estrada fora, Rodrigo e Dom Tristão; o urso bem quer erguer a cabeça, onde pousa o velho chapéu de plumas... faltam-lhe as forças e coxeia. Chegam à feira. O largo está cheio de gente; todos vieram vender e comprar coisas. Há louças de barro sarapintadas, pirâmides de maçãs lustrosas, rebanhos de carneiros assustados e grandes balcões de jóias falsas, apitos e bonecos...
Todos gritam, e a música do carrossel grita mais do que todos.
- Venham ver o urso que baila, a maior maravilha!...
Junta-se gente à roda de Rodrigo. Rodrigo é novo e alegre, tem um cravo rubro na orelha, dentes brancos a brilhar e uma viola e um pandeiro.
Dom Tristão endireita-se. Chama a si as forças antigas. Pensa em todas as coisas boas de outro tempo, para ganhar coragem. Depois levanta as patas dianteiras e começa a pular. Mas as suas pobres pernas enfraquecidas não aguentam, cambaleia, para.
- Não posso, não posso!
E têm de deixar a feira, entre apupos e assobios.
Esther de Lemos, A Menina de Porcelana e o General de Ferro
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