sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016


CATIVAR


   Foi então que apareceu a raposa:
   - Bom dia! - disse a raposa.
   - Bom dia! - respondeu o principezinho com delicadeza. Mas ao voltar-se não viu ninguém.
   Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira...
   - Quem és tu? - disse o principezinho. - És bem bonita...
   - Sou uma raposa - disse a raposa.
   - Anda brincar comigo - propôs-lhe o principezinho. - Estou tão triste...
   - Não posso brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou.
   - Ah! perdão - disse o principezinho.
   Mas, depois de ter refletido, acrescentou:
   - Que significa "cativar"?
   - Tu não deves ser daqui - disse a raposa. - Que procuras?
   - Procuro os homens - disse o principezinho. - Que significa "cativar"?
   - Os homens - disse a raposa - têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhe acho. Andas à procura de galinha?
   - Não - disse o principezinho - ando à procura de amigos. Que significa "cativar"?
   - É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Significa "criar laços..."
   - Criar laços?
   - Isso mesmo - disse a raposa. - Para mim, não passas, por enquanto, de um rapazinho tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti, não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti...
   - Começo a compreender - disse o principezinho. - Existe uma flor... creio que ela me cativou.
   - É possível - disse a raposa. - Vê-se de tudo à superfície da Terra...
   - Oh! não é da Terra - disse o principezinho.
   A raposa mostrou-se muito intrigada.
   - Noutro planeta?
   - Sim.
   - Há caçadores nesse planeta?
   - Não.
   - Isso tem muito interesse. E galinhas?
   - Não.
   - A perfeição não existe - suspirou a raposa.
   Mas voltou à mesma ideia:
   - Levo uma vida monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativares, será como se o Sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos os passos, um novo ruído de passos. os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão de atrair-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Vês lá adiante os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. os campos de trigo não me dizem nada. E é triste. Mas os teus cabelos são cor de oiro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei de amar o barulho do vento através do trigo...
   A raposa calou-se e olhou por muito tempo para o principezinho.
   - Cativa-me, por favor - disse ela.
   - Tenho muito gosto - respondeu o principezinho -, mas falta-me tempo. Preciso de descobrir amigos e conhecer muitas coisas.
   - Só se conhecem as coisas que se cativam - disse a raposa. - Os homens já não têm tempo para tomar conhecimento de nada. Compram coisas feitas aos mercadores. Mas como não existem mercadores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me.
   - Como é que hei de fazer? - disse o principezinho.
   - Tens de ter muita paciência - respondeu a raposa. - primeiro, sentas-te um pouco afastado de mim, assim na relva. Eu olho para ti pelo rabinho do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto...




Antoine de Saint-ExupéryO Principezinho



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