GORDO COMO UM PORQUINHO
Era uma aborrecida e chuvosa tarde de primavera. Miguel tinha acabado há dez minutos de fazer os trabalhos para a escola e para a aula de inglês. Estava sozinho em casa e tinha-se posto à janela a ver as gotinhas leves que caíam na relva do pequeno jardim. Ainda faltava uma hora para a mãe voltar e não sabia o que havia de fazer. Tentou contar os salpicos que batiam na vidraça, mas, passados cinco minutos, ainda se sentiu mais aborrecido do que estava antes. Suspirando, afastou-se da janela e deixou-se cair como um peso morto na cama.
"Gostava tanto de ter um irmãozinho, ou um cão" pensou. "Se tivesse, brincava com eles e nunca mais teria aquela ideia terrível, nunca mais."
Mas, mal acabou de dizer "nunca mais", a tal ideia terrível começou a falar.
"Estás com fome" dizia ela. "Estás com fome e tens a barriga tão vazia como o tambor da máquina de lavar a roupa, tão fria como a superfície polar; sentes frio em todo o lado, sentes-te muito fraco, não te aguentas nas pernas, se te queres salvar só há uma coisa a fazer: levanta-te e vai à cozinha, enche a barriga, come até te fartares!"
Miguel ainda resistiu um minuto ou dois àquela voz, chamou a si todas as suas energias para a combater, mas, depois, lento como um robot, levantou-se, saiu do quarto, atravessou o corredor, parou um instante à porta da cozinha, e, depois de ter suspirado, empurrou-a com todo o cuidado.
Lá estava ele a um canto, esperando-o com toda a calma. Miguel olhou bem para ele antes de se aproximar: na penumbra da cozinha, tão luzidio, tão branco, tão alto, parecia mais uma inocente baleia adormecida nas profundidades do oceano do que um frigorífico. No silêncio em redor, só se ouvia a sua voz discreta: - ZZZZZ? Bzzz Bzzz! ZZZZBZZ.
Susana Tamaro, O Cavaleiro Lua Cheia,
Editorial Presença
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