A TROMBA DO ELEFANTE WAN-BO
Há muito, muito tempo - talvez na época em que o Céu se separou da
Terra -, o Mundo estava povoado de monstros fabulosos: dragões alados
que cuspiam fogo; lagartos gigantescos; serpentes vorazes com várias
cabeças...
Estas incríveis criaturas aterrorizavam os outros animais da criação.
Os herbívoros e carnívoros só conseguiam salvar a vida graças às suas
manhas e agilidade. Alguns, como a família de Sanu, o macaco, escapavam a
esses monstros porque a imensa floresta tropical tinha esconderijos
maravilhosos.
Não era esse o caso de Wan-Bo, o elefante. O infeliz Wan-Bo tinha
dificuldade em se esconder atrás do capim gigante ou dos arbustos,
quando um desses monstros o avistava. É certo que as suas poderosas
presas obrigavam o inimigo a recuar... Mas, nesse tempo, Wan-Bo não
tinha tromba! Não, Wan-Bo não tinha nada pendurado do nariz...
Ora vamos saber como, um belo dia, obteve essa terrível arma que hoje todos lhe invejam.
Estava-se na estação seca. Faltava a água. A caça rareava. As
criaturas monstruosas chegavam a devorar-se umas às outras. Por uma
noite quente, junto da lagoa seca, houve uma luta mortal entre uma
gigantesca serpente e um dragão. O fragor do combate atingiu o coração
da grande floresta. Durante três dias e três noites, com inaudita
violência, afrontaram-se os dois colossos. Ao fim do terceiro dia, o
dragão, cujo corpo era uma enorme boca - ou melhor, uma autêntica
caverna! - armada de milhares de dentes, cortou o corpo do adversário em
vários pedaços, que devorou avidamente.
Depois disso, dirigiu-se para a sua gruta, a fim de limpar os ferimentos envenenados que recebera durante a batalha.
Mas, ao afastar-se, tinha-se esquecido de um pedaço da monstruosa
serpente, o mais pequeno. Era a extremidade da cauda, com mais de dois
metros, cinzenta como um ramo morto de uma árvore e onde a parte cortada
tinha a aparência de uma almofada de carne rósea. E esse pedaço de
carne torcia-se no meio da erva como se procurasse à sua volta os restos
do corpo a que pertencera uns momentos antes. Um espetáculo tão triste
como ridículo e que fazia rir Sanu, o macaco, instalado num ramo de
imbondeiro.
Foi então que apareceu Wan-Bo. Pastava, há horas e horas, o capim
gigante, cobiçando as tenras ervinhas que verdejavam junto do chão mas
que não podia alcançar por ser demasiado alto.
E, de repente, quando uma das suas patas se preparava para esmagar o
pedaço da serpente que se retorcia na erva, este estendeu-se de súbito e
o lado cortado foi prender-se no nariz de Wan-Bo!
O elefante, surpreendido, recuou, pensando ter sido atacado. Depois
sacudiu-se e, com o auxílio das enormes orelhas, esfregou aquela "coisa"
contra as hastes de bambu para se livrar dela. Em vão! A cauda da
serpente prendera-se com muita força e nada a conseguiria afastar do
nariz do elefante.
Mas, com grande espanto de Wan-Bo, começou a falar. É verdade, começou a falar!
- Oh, Wan-Bo - gemeu -, não te quero mal algum. Acredita em mim. Não
sou mais do que uma cauda, um pequeno pedaço de cauda infeliz e perdida.
O dragão-cabeça venceu-me e devorou-me! Vê lá o que resta de mim! E
como eu gostaria de continuar a viver...
Wan-Bo respirou, mais descontraído. Esta criatura merecia-lhe alguma consideração.
- Falas verdade? Combateste o dragão-cabeça? És muito corajosa! Mas agora estás a perturbar-me. Vai-te embora, por favor!
A cauda agitou-se freneticamente no nariz de Wan-Bo.
- Ouve-me, ouve-me, grande Wan-Bo - suplicou, torcendo-se
desesperada. - Tive agora uma ideia assombrosa! Ainda não estás
habituado à minha presença, mas posso ajudar-te de muitas maneiras e...
- Nem penses nisso! Já te disse que me incomodas... Vamos lá, ou sais a bem ou esmago-te contra o tronco deste imbondeiro.
- Não, não, por favor! Ouve: serei tua escrava!
- Escrava? Escrava?... Mas eu não preciso de ti para nada... - disse
Wan-Bo, rindo-se. - Não passas de um miserável pedaço de cauda de
serpente! A cauda torcia-se e retorcia-se. O seu espírito funcionava com
mais lentidão desde que não tinha cabeça, pois não estava acostumada a
pensar sozinha. Mas, de repente, soube o que responder e como convencer o
grande elefante.
- Repara! - exclamou. - Repara, Wan-Bo, como posso ajudar-te...
E estendeu-se, estendeu-se até ao solo. Aí, tateou um pouco às cegas
até encontrar o que procurava: um tufo de ervas bem frescas...
A cauda enroscou-se e foi levar à boca do elefante a erva rasteira com que ele sempre sonhara. Ah, como era maravilhosa!
- É tenrinha? É fresca? Queres mais? - perguntava a cauda, enquanto o elefante ia saboreando o apetitoso alimento.
- Hum, hum... Mais um pouco, por favor!
A cauda voltou a desenrolar-se uma, duas, três vezes... até que
Wan-Bo, satisfeito e saciado, começou a sentir esse torpor infinitamente
agradável que precede as longas digestões.
Mas, de repente, sentiu o estômago novamente vazio. Os pequenos olhos
de Wan-Bo tinham acabado de poisar numa mangueira... Oh, essas
mangueiras cujos frutos doirados e sumarentos se escondiam no meio da
folhagem! Há quanto tempo sonhava com eles!
- E... e... talvez me possas ajudar a colher aqueles belos frutos
doirados... - perguntou, um tanto perturbado por ter de confessar a sua
insaciável gulodice.
- Basta que mos indiques, ó meu senhor!
Wan-Bo trotou até junto da árvore, e a cauda da serpente gigante ergueu-se no ar.
- Sou cega, meu senhor. Orienta-me!
- É aquele... Sim, mais à direita! Que bom! E o outro ao lado! -
murmurava Wan-Bo, que nunca tinha comido nada tão saboroso em toda a sua
vida.
- E, assim, dirigida em volta do fruto apetecido, a cauda da serpente
arrancava-o cuidadosamente para não o esmigalhar, e levava-o à boca de
Wan-Bo. Este pensava que nunca mais teria medo de envelhecer. A sua
cauda - mas seria na verdade "uma cauda"? - cuidaria dele,
alimentá-lo-ia...
Ao cair do dia, Wan-Bo e a cauda da serpente já se haviam tornado os
melhores amigos do mundo. E a sua aliança ainda perdura...
No entanto, houve um dia em que Wan-Bo esteve quase, quase, a
perder... a tromba. Foi no dia em que Aroon, o leão, com uma
valentíssima sapatada, cortou a extremidade da cauda! Não foi muito
grave. Nem demasiado grande nem demasiado pequena, a tromba tornou-se um
instrumento tão útil que todos os animais do mato passaram a invejar
Wan-Bo.
Mas um conselho vos dou: se encontrarem o elefante, não façam
alusões à sua tromba. Não se divirtam a dizer-lhe que essa espécie de
nariz não passa de uma simples cauda de serpente! Em primeiro lugar,
porque Wan-Bo pode não gostar da brincadeira... e, depois, porque talvez
a tromba ainda conserve parte do lendário rancor das serpentes...
Contos Africanos, Ed. Verbo