domingo, 7 de junho de 2015

COMO GIL EANES, NATURAL DE LAGOS, FOI O PRIMEIRO QUE PASSOU O CABO BOJADOR, E COMO LÁ TORNOU OUTRA VEZ, E COM ELE AFONSO GONÇALVES BALDAIA

   E finalmente, depois de doze anos, fez o Infante armar uma barca da qual deu a capitania a um Gil Eanes seu escudeiro, que ao depois fez cavaleiro e agasalhou mui bem, o qual segundo a viagem dos outros, tocado daquele mesmo temor, não chegou mais que às ilhas de Canária, donde trouxe certos cativos com que se tornou para o reino. E foi isto no ano de Jesus Cristo de mil quatrocentos e trinta e tres.
   Mas logo no ano seguinte, o Infante fez armar a dita barca, e, chamando Gil Eanes a de parte, o encarregou muito que todavia se trabalhasse de passar aquele Cabo; e que ainda que por aquela viagem mais não fizesse, aquilo teria por assaz.
   E o Infante era homem de mui grande autoridade pela qual suas admoestações, por grandes que fossem, eram para os sisudos de mui grande encargo, como se mostrou por obra em aqueste, que depois destas palavras determinou em sua vontade não tornar mais ante a presença de seu Senhor, sem certo recado daquilo por que o enviavam. Como de feito fez, que daquela viagem, menospreçando todo perigo, dobrou o cabo a alem, onde achou as cousas pelo contrario do que ele e os outros até ali presumiam.
   E então lhe contou todo o caso como passara, dizendo como fizera lançar o batel fora, no qual saíra em terra, onde não achara gente alguma, nem sinal de povoação.
   - "E porque, senhor - disse Gil Eanes -, me pareceu que devia trazer algum sinal de terra, pois que em ela saía, apanhei estas hervas que aqui apresento a Vossa Mercê, as quaes nós em este reino chamamos rosas de Santa Maria".

Gomes Eanes de Zurara, Crónica da Guiné (adaptação)

Gomes Eanes de Zurara, cronista régio no reinado de D. Afonso V, nasceu após 1410 e morreu entre 1473 e 1474.

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