domingo, 2 de agosto de 2015

DENTRO de um LIVRO

   Entrei pela porta de um livro e fechei-me lá dentro com as palavras acesas e as luzes apagadas. A minha mãe deu dez voltas à casa à minha procura. "Onde é que o miúdo se terá metido?" Com medo de ser encontrado, eu saltava das páginas pares para as ímpares e enrodilhava-me, feito bicho de conta, entre dois parêntesis ou, por ser muito magro, atrás de um ponto de exclamação.
   Era a primeira vez na minha vida que eu me fechava dentro de um livro. (...)
   O livro era agora o meu refúgio e a minha casa, onde tudo era imprevisível e estranho e onde as letras tinham espessura e cheiro como se fossem humanas. Confesso que me perdi lá dentro, como já antes me perdera no labirinto de esferovite do parque de diversões que animava os meses de verão da minha terra.

José Jorge Letria, A Mão Esquerda de Cervantes,
 Biblioteca Prestígio

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