O GATO DE ANNE FRANK
Eu entrei na vida de Anne Frank, por mero acaso. O nosso encontro deu-se no dia 13 de julho de 1942, e eu acho que Anne gostou de mim logo desde o início.
Tal como os gatos, Anne passou várias semanas a fazer o reconhecimento, quase centímetro a centímetro, daquela que iria ser a sua futura casa e das outras pessoas nos dois anos que se iam seguir. Eu fiz o mesmo, procurando pequenos orifícios no soalho, pedaços de fio de lã ou de arame com que pudesse brincar e principalmente fendas donde pudessem sair ratos ou baratas que sempre gostei tanto de caçar. Infelizmente aquele espaço estava mais fechado que um ovo antes de o partirem para ser estrelado. E percebe-se por quê.
É que qualquer orifício por onde pudesse sair luz ou som do interior do esconderijo representava uma terrível ameaça para a já escassa segurança daquelas pessoas sem destino seguro.
Ainda assisti a verdadeiras sessões de costura em que participavam Anne e o resto da família, tapando com pedaços de pano cosidos uns aos outros todos os espaços por onde pudesse sair uma centelha de luz.
E a pobre Anne, que não gostava de silêncio e que adorava rir e falar em voz alta, foi obrigada, como todos os moradores do refúgio, a passar dias inteiros a sussurrar e a andar descalça para não fazer qualquer ruído que denunciasse a presença de tanta gente escondida naquele exíguo anexo e no sótão que tinham por cima.
José Jorge Letria, Mouschi, o gato de Anne Frank,
Edições Asa (adapt.)
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