O SORRISO de ROBINSON
Robinson nunca fora vaidoso e não sentia prazer especial em se ver ao espelho. No entanto, havia tanto tempo que isso não lhe acontecia que ficou muito surpreendido quando um dia, ao tirar um espelho de um dos baús do Virgínia, pôde voltar a ver o seu próprio rosto. Ao fim e ao cabo, não mudara muito. Apenas a barba estava mais comprida e muitas rugas novas lhe sulcavam agora a face. O que o inquietou, apesar de tudo, foi o seu ar sério, uma espécie de tristeza que nunca o abandonava. Tentou sorrir. Nessa altura sentiu um calafrio, ao dar-se conta de que não era capaz. Bem se esforçou; tentou a todo o custo franzir os olhos e levantar os cantos da boca. Impossível: já não sabia sorrir. Tinha a impressão de que o seu rosto era de madeira, uma máscara imóvel, congelada numa expressão taciturna. Depois de muito refletir, acabou por compreender o que se passava. Era por estar sozinho. Havia demasiado tempo que não tinha alguém a quem sorrir, e deixara de saber fazê-lo: quando queria esboçar um sorriso, os músculos não lhe obedeciam. Continuou a olhar-se ao espelho com uma expressão dura e severa e o coração apertava-se-lhe de tristeza. Assim, tinha tudo o que necessitava naquela ilha: bebida e comida, uma casa, uma cama para dormir; mas ninguém a quem sorrir, e o seu rosto era como gelo.
Foi então que baixou os olhos para Tenn. Estaria Robinson a sonhar? O cão estava a sorrir-lhe! Num dos lados do focinho o lábio negro estava levantado, pondo a descoberto uma dupla fila de colmilhos. Ao mesmo tempo, inclinava comicamente a cabeça para um dos lados e os olhos cor de amêndoa franziam-se ironicamente. Robinson agarrou com ambas as mãos a grande cabeça felpuda e as pálpebras humedeceram-se-lhe de emoção, enquanto um impercetível tremor lhe agitava as comissuras dos lábios. Tenn continuava a sorrir-lhe à sua maneira e Robinson olhava-o atentamente, para responder a sorrir.
A partir desse momento, foi como que um jogo entre ambos. De repente, Robinson interrompia o trabalho, ou a caçada, ou o passeio pela praia, e fixava Tenn de certa maneira. O cão sorria-lhe a seu modo, enquanto o rosto de Robinson recuperava a maleabilidade e se humanizava e, pouco a pouco, sorria.
Michel Tournier, Sexta-Feira ou a Vida Selvagem,
Editorial Presença
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