quinta-feira, 21 de maio de 2015

O SAL E A ÁGUA



   Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas, por sua vez, qual era a mais sua amiga? A mais velha respondeu:
   - Quero mais a meu pai do que à luz do Sol.
   Respondeu a do meio:
   - Gosto mais do meu pai do que de mim mesma.
   A mais moça respondeu:
   - Quero-lhe tanto como a comida quer o sal.
   O rei entendeu por isto que a filha mais nova  o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio dum rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira. Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia; foi passando, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.
   Começou então a espreita-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas do noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que nada comia. Por fim  perguntou-lhe o dono da casa por que é que o rei não comia? Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
   - É porque a comida não tem sal.
   O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer por que é que não tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça do pai.




Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português,
Pub. Dom Quixote

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