terça-feira, 29 de dezembro de 2015

XXX

Encontraram-se dois traços
numa larga estrada de vento.
Amor súbito, beijos e abraços
- um lindo cruzamento.

Pergunta de uma menina à professora:
"Porque é que o chá da minha avó é chá
e o da Pérsia é ?"

José Carlos de Vasconcelos, De Águia a Zebra, Tudo é Poema,
Plátano Editora

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

PRESÉPIO

Nuzinho sobre as palhas,
nuzinho, em dezembro!

Que pintores tão cruéis,
Menino te pintaram!

O calor do seu corpo,
para que o quer tua Mãe?
Tão cruéis os pintores!
(Tão injustos contigo,
Senhora!)

Só a vaca e a mula
com seu bafo te aquecem...

- Quem as pôs na pintura?

Sebastião da Gama, Pelo Sonho É que Vamos



Para todos os leitores:

Feliz Natal!

domingo, 20 de dezembro de 2015

PRAIA

Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus abraços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyner, No Tempo Dividido

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

CAPITÃO de VERA CRUZ

   A viagem de Vasco da Gama conseguira obter o êxito havia muito tempo sonhado: no ano de 1498, estava concluída a ligação marítima entre Lisboa e Calecute.
   Era, no entanto, estabelecer feitorias nos litorais da Índia para realizar o comércio da pimenta e outras ambicionadas especiarias do Oriente. Levantavam-se grandes dificuldades a esse projeto porque os príncipes da região não permitiam esse trato aos portugueses.
   O senhor D. Manuel tinha de impor a sua autoridade pela força.
   Foi para isso que, em março de 1500, se fez ao mar uma poderosa frota de treze navios, sob o comando de Pedro Álvares Cabral. Era um dos capitães Bartolomeu Dias. A seguir a Cabo Verde, a armada rumou para sudoeste e, no dia 22 de abril, tinha a terra à vista: era a terra firme a ocidente que D. João II assegurara pelo Tratado de Tordesilhas.  Coube a Nicolau Coelho e a Bartolomeu Dias, experimentados marinheiros, fazer os contactos iniciais com a gente boa daquela região a que Álvares Cabral deu o nome de Vera Cruz.

in Bartolomeu Dias, História Júnior,
 Edições Asa

Chegada de Vasco da Gama à Índia

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

ESTRANHA  VINGANÇA

   No dia 2 de maio, a frota de Cabral retornou a viagem para a Índia, enquanto um dos navios regressava a Lisboa com a notícia de Vera Cruz. Nas proximidades do cabo da Boa Esperança, rebentou uma tempestade com violência terrível. Era dia e as nuvens carregadas cobriam o céu de trevas, como se fosse noite escura. O vento de rajada acometia as velas furiosamente e as vagas do mar erguiam-se, temerosas, ameaçando engolir as embarcações na boca do abismo. Foram dias e noites de pavor! A tormenta dispersou a conserva * e o peso das velas molhadas dificultava as manobras à tripulação em desespero. Quatro navios viraram de quilha para o fundo do mar. Um deles era a caravela de Bartolomeu Dias, o bravo capitão que, pela primeira vez, ali tinha chegado, ao termo de África: por isso lhe chamavam o Capitão do Fim. Assim morreu o maior navegador que houve em Portugal. Até se podia pensar que o gigante Adamastor ** estava »a espera do herói para uma estranha vingança.

Bartolomeu Dias, História Júnior,
Edições Asa

* Navios em grupo.
** Figura mitológica (gigante assustador) usada por Camões para personificar o cabo das Tormentas, que mais tarde se chamou cabo da Boa Esperança.

Resultado de imagem para cabo da boa esperança

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O PALHAÇO

I
O palhaço é rico ou pobre
É conforme, é conforme
As vestes com que se cobre
É bonito ou disforme.

II
Lá vêm os palhaços!
- Bravo!
Pezudos e engraçados!
- Viva!
Com narizes encarnados.
Lá vêm os palhaços!
- Bravo!
De calças aos quadrados!
- Viva!
E fundilhos remendados!

III
O palhaço ri ou chora
É conforme, é conforme.
Pagam-lhe o sorriso à hora.
Com o riso come e dorme!

IV
Quem se ri com os palhaços
Desconhece que hora a hora
Num palhaço que se ri
Há sempre um homem que chora.

José Carlos Ary dos Santos, Operários do Natal


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Não sei ser triste a valer
Nem ser alegre deveras.
Acreditem: não sei ser.
Serão as almas sinceras
Assim também, sem saber?

Ah, ante a ficção da alma
E a mentira da emoção
Com que prazer me dá calma
Ver uma flor sem razão
Florir sem ter coração!

Mas enfim não há diferença.
Se a flor flore sem querer,
Sem querer a gente pensa.
O que nela é florescer
Em nós é consciência.

‘Stá bem, enquanto não vêm,
Vamos florir ou pensar.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 25 de novembro de 2015


O NOSSO MUNDO É ESTE
O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.
Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…
Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem,
dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

( Mas há-de ser outro.)


José Gomes Ferreira


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O SAPATEIRO POBRE

   Havia um sapateiro que trabalhava à porta de casa e todo o santíssimo dia cantava. Tinha muitos filhos, que andavam rotinhos pela rua, pela muita pobreza e, à noite, enquanto a mulher fazia a ceia, o homem puxava da viola e tocava os seus batuques muito contente.
   Ora, defronte do sapateiro morava um ricaço que reparou naquele viver e teve pelo sapateiro tal compaixão que lhe mandou dar um saco de dinheiro, porque o queria fazer feliz.
   O sapateiro lá ficou admirado. Pegou no dinheiro e à noite fechou-se com a mulher para o contarem. Naquela noite, o pobre já não tocou viola. As crianças, como andavam a brincar pela casa, faziam barulho e levaram-no a errar na conta, e ele teve de lhes bater. Ouviu-se uma choradeira, como nunca tinham feito quando estavam com mais fome. Dizia a mulher:
   - E agora, que havemos nós de fazer a tanto dinheiro?
   - Enterra-se!
   - Perdemos-lhe o tino. É melhor metê-lo na arca.
   - Mas podem roubá-lo! O melhor é pô-lo a render.
   - Ora, isso é ser onzeneiro!
   - Então levantam-se as casas e fazem-se de sobrado e depois arranjo a oficina toda pintadinha.
   - Isso não tem nada com a obra! O melhor era comprarmos uns campinhos. Eu sou filha de lavrador e puxa-me o corpo para o campo.
   - Nessa não caio eu.
   - Pois o que me faz conta é ter terra. Tudo o mais é vento.
   As coisas foram azedando, palavra puxa palavra, o homem zanga-se, atiça duas solhas na mulher, berreiro de uma banda, berreiro da outra, naquela noite não pregaram olho.
   O vizinho ricaço reparava em tudo e não sabia explicar aquela mudança. Por fim, o sapateiro disse à mulher:
   - Sabes que mais? O dinheiro tirou-nos a nossa antiga alegria. O melhor era ir levá-lo outra vez ao vizinho dali defronte, e que nos deixe cá com aquela pobreza que nos fazia amigos um do outro!
   A mulher abraçou aquilo com ambas as mãos, e o sapateiro, com vontade de recobrar a sua alegria e a da mulher e dos filhos, foi entregar o dinheiro e voltou para a sua tripeça a cantar e a trabalhar como de costume.

Viale Moutinho, Contos Populares Portugueses


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Luís, o poeta, salva a nado o poema

Era uma vez
um português
de Portugal.
O nome Luís
há de bastar 
toda a nação
ouviu falar.
Estala a guerra
e Portugal
chama Luís
para embarcar.
Na guerra andou
a guerrear
e perde um olho
por Portugal.
Livre da morte
pôs-se a cantar
o que sabia
de Portugal.
Dias e dias
grande pensar 
juntou Luís
a recordar.
Ficou um livro
ao terminar
muito importante
para estudar.
Ia num barco
ia no mar
e a tormenta
vá d'estalar.
mais do que a vida
há de guardar
o barco a pique
Luís a nadar.
Fora da água
um braço no ar
na mão o livro
há de salvar.
Nada que nada
sempre, a nadar
livro perdido
no alto mar.
- Mar ignorante
que queres roubar?
A minha vida
ou este cantar?
A vida é minha
ta posso dar
mas este livro
há de ficar.

Almada Negreiros, Obras Completas


sábado, 14 de novembro de 2015


As estações do ano

   As estações do ano acusam-se sobretudo pelo aspeto dos campos; e é natural que o homem da cidade, com um horizonte de fachadas, de telhados e de ónibus não dê pelas vessadas, nem pela coma dos trigos, nem pelos frutos pendentes. As árvores dos jardins e dos passeios perdem e recobram a folha; mas as plantas municipais, graças às técnicas dos jardins, distribuem-se de modo que haja sempre uns palmos de canteiro em flor, diante do citadino. Ora, isso transtorna o sentimento habitual da mudança do tempo.
   Como índice do curso dos dias resta ao emparedado o ritmo de duração dos dias e das noites,- pouco mais. É preciso ir ao campo para ver no álamo nu e na regueira barrenta da quelha a alma do Inverno, no carrapiteiro em flor a Primavera que viça, nas palhas o ardor do Verão, nos estendais da fruta o Outono que pinta os poentes. Depois,a falta de silêncio nas cidades não deixa captar os pequenos murmúrios da paisagem, nem a gasolina queimada deixa aspirar os cheiros da terra seca ou húmida. O aquecimento e as ventoinhas metem o Verão pelo Inverno dentro e o fresco pela canícula. Na ânsia de fabricar um meio físico constante, o homem urbano apaga em volta de si a natureza, e depois mal dá por ela...

Vitorino Nemésio, Viagens ao Pé da Porta

quinta-feira, 12 de novembro de 2015


ILHA da MADEIRA

   (Conta a lenda que, estando Machico e os seus companheiros no mar, ao verem névoas que pousavam sobre as águas, decidiram aproximar-se de barco, descobrindo a terra a que deram o nome de ilha da Madeira).
   De súbito a névoa começou a descerrar-se como se invisíveis mãos apartassem uma cortina para os lados. E viu-se um espetáculo tão belo que pelos marinheiros passou um calafrio e alguns ajoelharam de pasmo sobre as tábuas da barca. À sua frente alevantavam-se rochas alterosas a prumo sobre as ondas; selvas de árvores frondosíssimas vinham de escarpa abaixo até à água; e para além cerros de macia curva desdobravam-se a perder de vista! Era uma das ilhas encantadas que se erguia para o Céu, como um altar de serras e arvoredos entornando ondas de cantos, de cores e de perfumes sobre o mar!

Jaime Cortesão, Contos para Crianças,
Portugália Editora

Ilha da Madeira

terça-feira, 10 de novembro de 2015



Entontecido
como asa que se abre para o azul
abarco a Vida toda
e parto
para os longes mais longes das distâncias mais longas
sei lá de que destinos ignorados!
Como pirata à hora da abordagem
grito e estremeço
liberto!
Grito e estremeço
perdido o sentido das pátrias
e a cor das raças,
livre para todos os caminhos dos homens!
Inebriado de posse
vou contigo, Vida,
como se fosses a minha namorada
e eu te levasse inteira nos meus braços!

Manuel da Fonseca, Poemas Completos, Forja

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

S.O.S.! S.O.S.!

Fantasmas de todos os planetas! Fantasmas de todos os planetas!
Saltai em pára-quedas no silêncio que há por dentro do silêncio
E vinde salvar-nos!
Vinde salvar os homens
para aqui abandonados ao pesadelo de si mesmos, 
só a serem homens,
homens apenas,
homens sempre,
de manhã até à noite,
semi-homens,
infra-homens,
super-homens,
ex-homens...

E fartos, fartos, fartos, fartos, fartos, fartos
desta desistência
de já nem quererem ser deuses!

Nem de transformarem os cavalos em relâmpagos!

José Gomes Ferreira, Poesia III
Círculo de Leitores

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A PÉROLA de KINO

   Todos os géneros de pessoas se interessaram por Kino - pessoas com coisas para vender e pessoas com favores para pedir. Kino tinha encontrado a Pérola do Mundo. A essência da pérola misturada com a essência dos homens produziu um curioso precipitado escuro. Toda a gente, subitamente, começou a viver em função da pérola de Kino, e a pérola de Kino penetrou nos sonhos, nas especulações, nos planos, nos futuros, nos desejos, nas necessidades, nos apetites, nas ansiedades de toda a gente, e apenas uma pessoa se erguia no caminho deles, e essa pessoa era Kino, de modo que ele se transformou curiosamente no inimigo de todos. A notícia fez vir à tona algo infinitamente tenebroso e perverso na cidade; o precipitado negro era como o escorpião, ou como a fome ao cheiro da comida, ou como a solidão quando o amor é proibido. As bolsas de veneno da cidade começaram a produzir a sua peçonha e a cidade inchava e ofegava sob a sua pressão.
   Mas Kino e Juana não sabiam destas coisas. Porque estavam felizes e excitados, pensavam que toda a gente partilhava da sua alegria. Juan Tomás e Apolónia partilhavam-na, e eles eram todo o mundo. Ao fim da tarde, quando o Sol tinha transposto as montanhas da Península para mergulhar no mar exterior, Kino acocorou-se na sua casa, com Juana ao seu lado. E a cabana transbordava de vizinhos. [...] Os vizinhos olhavam para a pérola na mão de Kino e perguntavam a si mesmos como fora possível caber tanta sorte a um homem.
   E Juan Tomás, que estava acocorado à direita de Kino, porque era seu irmão, perguntou:
    - Que vais fazer agora que és um homem rico?

John Steinbeck, A Pérola


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

POEMA DO CORAÇÃO

Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração.
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".

Mas o meu coração é como o dos compêndios.
tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.

Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados,
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz dos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.

Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.

Então, meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?

António Gedeão, Poemas Escolhidos,
Ed. João Sá da Costa


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

MENINAS E MENINOS

Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de meninas e meninos
a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de cadáveres de meninos e meninas
que morreram a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos!
E então?

Fernando Sylvan (Timor), Primeiro Livro de Poesia



quinta-feira, 29 de outubro de 2015

AS MINAS

Nos meus sonhos de menina
havia sempre uma mina.

Uma mina, um tesouro,
com pedrinhas todas de ouro.

Uma mina de brilhantes,
turquesas e diamantes.

Uma mina, uma nascente
de água fresca, transparente.

Hoje ainda sou menina,
Mas já pisei uma mina.

Tenho o sonho em estilhaços:
Fiquei sem pernas, sem braços.

Luísa Ducla Soares, in Vinte e Cinco (CD), Bando dos Gambozinos


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

DESCOBRI AOS 13 ANOS

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Precetor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
Gostar de fazer defeitos na frase é muito
saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da
vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas.
Pois é nos desvios que encontra as melhores
surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.

Manoel de Barros, Livro das Ignorãças,
Rio de Janeiro: Record, 2006

bugre - nome depreciativo dado pelos europeus aos indígenas;
ariticuns - anonas.

sábado, 24 de outubro de 2015

Exercícios para articulação e dicção

À boca de um beco
Na Bica do Belo
Um bravo cadêlo
berrava: báu, báu.

Um bêbado, um botas
De bolsa e rabicho,
Embirra c'o bicho,
Bateu-lhe co'um pau.

Foi grande a balbúrdia
A turba se ria,
O bruto bramia,
E o broma a bater!

Co'o pau sobre o pobre
E bumba e mais bumba
Parece um zabumba!
Bendito beber!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ÉS FELIZ?

12 de março

   A Vanessa chegou ao pé de mim e perguntou-me de chapa.
   - És feliz?
   Fiquei engasgada.
   - Sei lá se sou feliz...
   Realmente não sei. Acho que dantes, quando era pequena e ridícula, eu às vezes era totalmente feliz. Lembro-me de quando recebi a bicicleta com rodinhas de lado e obriguei o meu pai a levar-me logo para o Campo Grande. Como era feliz a pedalar, a sentir o vento na cara, a saber-me dona daquela máquina prodigiosa! Era tão feliz no Natal, a desembrulhar presentes, na praia a chapinhar na espuma...
   Hoje a felicidade é difícil de agarrar. Sonho com isto e aquilo tão intensamente que, quando acontece, se por acaso acontece, é felicidade em segunda mão, perdeu metade do sabor.
   - Tens tudo para ser feliz - dizem os meus pais - mas só refilas, embirras, irritas, nunca estás contente com nada.
   Encolho os ombros, não respondo a figuras de Museu.
   Olho para a televisão. Passa anúncios - gente feliz porque gasta lixívia, usa collants, lava os dentes. Feliz pela coca-cola, pelo papel higiénico, pelas batatas fritas, pelos inseticidas...
   O telefone toca.
   - Para quem há de ser? - diz a mãe. - É de mais, parece que os teus amigos não podem viver sem ti.
   - Talvez não possam - respondo eu, quase, quase, quase feliz.

Luísa Ducla Soares, Diário de Sofia & Cª.,
 Civilização Editora




terça-feira, 20 de outubro de 2015

A LAMENTÁVEL CATÁSTROFE DE D. INÊS DE CASTRO

Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo;
Inda os piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;

Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso refletindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:

Inda altos hinos o universo entoa
A Pedro, que da morte formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:

Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa
A malfadada Inês na sepultura.

Bocage, Antologia Poética,
Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses

D. Pedro e Inês de Castro

domingo, 18 de outubro de 2015

ADIVINHAS
 
1

Tem orelhas de gato
e não é gato;
Focinho de gato
e não é gato;
Rabo de gato 
e não é gato.
O que é?
 
2
 
Qual é a fêmea afamada,
Bem ligeira e decicida,
Que até mesmo sendo macho
Será fêmea toda a vida?
 
3
 
Ando sempre a esconder-me,
Para que ninguém me veja;
Quem a morte me deseja
É que me dá de comer.
 
 
 
 

Soluções:
 1 - gata; 2 - a lebre (este nome feminino engloba macho e fêmea); 3 - o rato (só o homem lhe oferece comida, na ratoeira, ou veneno para o matar).

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia
Belo Horizonte: Edições Pindorama, 1930

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

MAR

Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Era um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...

Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...

Mar!
Fomos então a ti cheio de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!

Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!

Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!

Miguel Torga, Poesia Completa



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

VENTO

As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.

Carlos de Oliveira, in Trabalho Poético,
Livraria Sá da Costa Editora

A TROMBA DO ELEFANTE WAN-BO



   Há muito, muito tempo - talvez na época em que o Céu se separou da Terra -, o Mundo estava povoado de monstros fabulosos: dragões alados que cuspiam fogo; lagartos gigantescos; serpentes vorazes com várias cabeças...
   Estas incríveis criaturas aterrorizavam os outros animais da criação. Os herbívoros e carnívoros só conseguiam salvar a vida graças às suas manhas e agilidade. Alguns, como a família de Sanu, o macaco, escapavam a esses monstros porque a imensa floresta tropical tinha esconderijos maravilhosos.
   Não era esse o caso de Wan-Bo, o elefante. O infeliz Wan-Bo tinha dificuldade em se esconder atrás do capim gigante ou dos arbustos, quando um desses monstros o avistava. É certo que as suas poderosas presas obrigavam o inimigo a recuar... Mas, nesse tempo, Wan-Bo não tinha tromba! Não, Wan-Bo não tinha nada pendurado do nariz...
   Ora vamos saber como, um belo dia, obteve essa terrível arma que hoje todos lhe invejam.
   Estava-se na estação seca. Faltava a água. A caça rareava. As criaturas monstruosas chegavam a devorar-se umas às outras. Por uma noite quente, junto da lagoa seca, houve uma luta mortal entre uma gigantesca serpente e um dragão. O fragor do combate atingiu o coração da grande floresta. Durante três dias e três noites, com inaudita violência, afrontaram-se os dois colossos. Ao fim do terceiro dia,  o dragão, cujo corpo era uma enorme boca - ou melhor, uma autêntica caverna! - armada de milhares de dentes, cortou o corpo do adversário em vários pedaços, que devorou avidamente.
   Depois disso, dirigiu-se para a sua gruta, a fim de limpar os ferimentos envenenados que recebera durante a batalha.
   Mas, ao afastar-se, tinha-se esquecido de um pedaço da monstruosa serpente, o mais pequeno. Era a extremidade da cauda, com mais de dois metros, cinzenta como um ramo morto de uma árvore e onde a parte cortada tinha a aparência de uma almofada de carne rósea. E esse pedaço de carne torcia-se no meio da erva como se procurasse à sua volta os restos do corpo a que pertencera uns momentos antes. Um espetáculo tão triste como ridículo e que fazia rir Sanu, o macaco, instalado num ramo de imbondeiro.
   Foi então que apareceu Wan-Bo. Pastava, há horas e horas, o capim gigante, cobiçando as tenras ervinhas que verdejavam junto do chão mas que não podia alcançar por ser demasiado alto.
   E, de repente, quando uma das suas patas se preparava para esmagar o pedaço da serpente que se retorcia na erva, este estendeu-se de súbito e o lado cortado foi prender-se no nariz de Wan-Bo!
   O elefante, surpreendido, recuou, pensando ter sido atacado. Depois sacudiu-se e, com o auxílio das enormes orelhas, esfregou aquela "coisa" contra as hastes de bambu para se livrar dela. Em vão! A cauda da serpente prendera-se com muita força e nada a conseguiria afastar do nariz do elefante.
   Mas, com grande espanto de Wan-Bo, começou a falar. É verdade, começou a falar!
   - Oh, Wan-Bo - gemeu -, não te quero mal algum. Acredita em mim. Não sou mais do que uma cauda, um pequeno pedaço de cauda infeliz e perdida. O dragão-cabeça venceu-me e devorou-me! Vê lá o que resta de mim! E como eu gostaria de continuar a viver...
   Wan-Bo respirou, mais descontraído. Esta criatura merecia-lhe alguma consideração.
   - Falas verdade? Combateste o dragão-cabeça? És muito corajosa! Mas agora estás a perturbar-me. Vai-te embora, por favor!
   A cauda agitou-se freneticamente no nariz de Wan-Bo.
   - Ouve-me, ouve-me, grande Wan-Bo - suplicou, torcendo-se desesperada. - Tive agora uma ideia assombrosa! Ainda não estás habituado à minha presença, mas posso ajudar-te de muitas maneiras e...
   - Nem penses nisso! Já te disse que me incomodas... Vamos lá, ou sais a bem ou esmago-te contra o tronco deste imbondeiro.
   - Não, não, por favor! Ouve: serei tua escrava!
   - Escrava? Escrava?... Mas eu não preciso de ti para nada... - disse Wan-Bo, rindo-se. - Não passas de um miserável pedaço de cauda de serpente! A cauda torcia-se e retorcia-se. O seu espírito funcionava com mais lentidão desde que não tinha cabeça, pois não estava acostumada a pensar sozinha. Mas, de repente, soube o que responder e como convencer o grande elefante.
   - Repara! - exclamou. - Repara, Wan-Bo, como posso ajudar-te...
   E estendeu-se, estendeu-se até ao solo. Aí, tateou um pouco às cegas até encontrar o que procurava: um tufo de ervas bem frescas...
   A cauda enroscou-se e foi levar à boca do elefante a erva rasteira com que ele sempre sonhara. Ah, como era maravilhosa!
   - É tenrinha? É fresca? Queres mais? - perguntava a cauda, enquanto o elefante ia saboreando o apetitoso alimento.
   - Hum, hum... Mais um pouco, por favor!
   A cauda voltou a desenrolar-se uma, duas, três vezes... até que Wan-Bo, satisfeito e saciado, começou a sentir esse torpor infinitamente agradável que precede as longas digestões.
   Mas, de repente, sentiu o estômago novamente vazio. Os pequenos olhos de Wan-Bo tinham acabado de poisar numa mangueira... Oh, essas mangueiras cujos frutos doirados e sumarentos se escondiam no meio da folhagem! Há quanto tempo sonhava com eles!
   - E... e... talvez me possas ajudar a colher aqueles belos frutos doirados... - perguntou, um tanto perturbado por ter de confessar a sua insaciável gulodice.
   - Basta que mos indiques, ó meu senhor!
   Wan-Bo trotou até junto da árvore, e a cauda da serpente gigante ergueu-se no ar.
   - Sou cega, meu senhor. Orienta-me!
   - É aquele... Sim, mais à direita! Que bom! E o outro ao lado! - murmurava Wan-Bo, que nunca tinha comido nada tão saboroso em toda a sua vida.
   - E, assim, dirigida em volta do fruto apetecido, a cauda da serpente arrancava-o cuidadosamente para não o esmigalhar, e levava-o à boca de Wan-Bo. Este pensava que nunca mais teria medo de envelhecer. A sua cauda - mas seria na verdade "uma cauda"? - cuidaria dele, alimentá-lo-ia...
   Ao cair do dia, Wan-Bo e a cauda da serpente já se haviam tornado os melhores amigos do mundo. E a sua aliança ainda perdura...
   No entanto, houve um dia em que Wan-Bo esteve quase, quase, a perder... a tromba. Foi no dia em que Aroon, o leão, com uma valentíssima sapatada, cortou a extremidade da cauda! Não foi muito grave. Nem demasiado grande nem demasiado pequena, a tromba tornou-se um instrumento tão útil que todos os animais do mato passaram a invejar Wan-Bo.
   Mas um conselho vos dou: se encontrarem o elefante, não façam alusões à sua tromba. Não se divirtam a dizer-lhe que essa espécie de nariz não passa de uma simples cauda de serpente! Em primeiro lugar, porque Wan-Bo pode não gostar da brincadeira... e, depois, porque talvez a tromba ainda conserve parte do lendário rancor das serpentes...
   Nunca se sabe!



Contos Africanos, Ed. Verbo

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

OS ANIMAIS

Vamos todos aprender
A juntar os animais.
Uns são gordos e outros magros,
Iguaizinhos aos seus pais.

Um PORCO e outro porco
E uma porca de má cara
Juntaram-se a outros porcos
E fizeram uma .....(1)

Um BOI e outro boi
E uma vaca malhada
Juntaram-se a outros bois
E fizeram uma .... (2)

(...)

Um CÃO e uma cadela
Com o filho e a filha
Juntaram-se a outros cães
E fizeram uma .... (3)

Uma OVELHA e outra ovelha
Com aspeto muito estranho
Juntaram-se a um carneiro
E fizeram um .... (4)

Carlos Alberto Moniz, A Banda dos Animais
 
(1) vara  (2) manada  (3) matilha  (4) rebanho

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

DIÁRIO DE ANNE FRANK



   Quarta-feira, 23 de fevereiro de 1944

   Minha querida Kitty,

   Desde ontem que o tempo está maravilhoso, e eu arrebitei um pouco. A minha escrita, a melhor coisa que tenho, está a andar bem. Vou ao sótão quase todas as manhãs para tirar o ar viciado dos pulmões. Esta manhã, quando lá fui, Peter estava ocupado com as limpezas. Terminou rapidamente e veio ter comigo. Eu estava sentada no chão, no meu lugar preferido. Olhámos os dois para o céu azul, para o castanheiro sem folhas, reluzente com o orvalho, para as gaivotas e outros pássaros, cintilando com reflexos prateados, enquanto planavam pelo ar, e ficámos tão comovidos e extasiados que nem conseguíamos falar. Ele estava de pé, com a cabeça encostada a uma viga, e eu estava sentada. Inspirámos o ar, olhámos para fora e sentimos ambos que o encanto não devia ser quebrado com palavras. Ficámos assim durante muito tempo e,  quando ele teve de sair para ir cortar lenha, eu tive a certeza de que ele era um rapaz bom e decente. Subiu as escadas para as águas-furtadas e eu segui-o; durante os quinze minutos em que esteve a cortar lenha, também não dissemos uma palavra. E eu fiquei de pé a observá-lo, e percebi que ele estava obviamente a esforçar-se para cortar a madeira da maneira certa e para exibir a sua força. Mas olhei também pela janela aberta, deixando os meus olhos vaguear por uma grande parte de Amesterdão, sobre os telhados e até ao horizonte, uma faixa de azul tão claro que era quase invisível.
   - Enquanto isto existir - pensei -, este sol e este céu limpo, e enquanto eu puder apreciá-lo, como é que posso estar triste?
Tua, Anne

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

MAGNÍFICA CARREIRA

   Uma vez, tinha eu seis anos, vi uma imagem magnífica num livro sobre a Floresta Virgem, chamado «Histórias Vividas». Era uma jiboia a engolir uma fera. Copiei o desenho para vocês poderem ver como era.
   O livro explicava: «As jiboias engolem as presas inteirinhas, sem as mastigar. Depois nem sequer se podem mexer e ficam a dormir durante os seis meses que a digestão demora.»
   Então, pensei e tornei a pensar nas aventuras da selva, peguei num lápis de cor e acabei por conseguir fazer o meu primeiro desenho. O meu desenho número 1. Era assim:



 Fui mostrar a minha obra-prima às pessoas grandes e perguntei-lhes se o meu desenho lhes metia medo.
   As pessoas grandes responderam. «Como é que um chapéu pode meter medo?»
   O meu desenho não era um chapéu. O meu desenho era uma jiboia a digerir um elefante. Para as pessoas grandes conseguirem perceber, porque as pessoas grandes estão sempre a precisar de explicações, fui desenhar a parte de dentro da jiboia. O meu desenho número 2 ficou assim:
   

   As pessoas grandes disseram que era melhor eu deixar-me de jiboias abertas e jiboias fechadas e dedicar-me antes à Geografia, à História, à Matemática e à Gramática. Foi assim que, aos seis anos, me vi forçado a desistir de uma magnífica carreira de pintor. Os sucessivos insucessos do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2 fizeram-me desanimar. As pessoas grandes nunca percebem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de ter que estar sempre a explicar-lhes tudo.
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho, Caravela

terça-feira, 29 de setembro de 2015

CINCO RÉIS DE GENTE

Vai sempre na frente
Dos outros que vão
Cedo para a escola;
Corpinho delgado;
O olhar mariola,
- Belos os cabelos,
Quantos caracóis!
Mas as mangas rotas
Nos dois cotovelos
São de andar no chão
Atrás dos novelos!
Os olhos dois sóis
Que alumiam tudo!
A mãe tecedeira,
Perdeu o marido,
Mas vive encantada
Para o seu miúdo.

António Botto, Palavras de cristal
Poeta português
 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PEQUENA CANÇÃO

Pássaro da lua
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?

Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...

Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!

Cecília Meireles, Viagem; vaga música,
Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro


sábado, 26 de setembro de 2015

NA ILHA DO FOGO

   As gémeas tinham percebido muito bem o que ele queria. Só não entenderam porque desligara tão de repente! É que as ilhas de Cabo Verde são suficientemente espalhadas no oceano para poder estar um temporal sobre duas ou três e um dia lindo nas outras. Não lhes passava portanto pela cabeça que os amigos vivessem momentos angustiosos debaixo de um ciclone, enquanto ambas se divertiam à grande na piscina do hotel. Tanto elas como o João adoravam estar ali, embora não tivessem encontrado o menor rasto dos italianos e do seu "prisioneiro". Mas viver uns dias na ilha do Fogo é uma experiência única porque a ilha do Fogo é um vulcão com uma cratera no topo que ainda fumega de vez em quando. Na encosta veem-se grandes rios de  lava negra e seca, que escorrem lá do alto até ao mar assinalando o caminho das várias erupções. No entanto, se lá por dentro a terra ainda rosna e se revolve entre pedras incandescentes, por fora não pode ser mais linda! Campos cultivados, pequenas aldeias, praias de areia preta muito fina, limpa e brilhante. A cidade de São Filipe, então, é uma beleza. Ruas empedradas, casas antigas e uma vista soberba! Para onde quer que uma pessoa se volte, lá está o mar imenso e a ilha Brava, minúscula, rochosa, com uma particularidade. Mesmo que o céu esteja límpido a toda a volta, tem sempre um chapelinho de nuvens por cima. Um chapelinho à sua medida, elegante como um adorno.

Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verde
Ilha do Fogo



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

SEGREDO

Sei um ninho
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga, Diário VIII


terça-feira, 22 de setembro de 2015

NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia
Autor brasileiro 1902-1987


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

BRINQUEDO

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.

Miguel Torga, Diário I



terça-feira, 15 de setembro de 2015

A GRÁVIDA E O CEGO

Grávida
Então vizinho?! Lá se tem amanhado, hem?

Cego
(Feliz) Hum! Cá vamos indo... andando.

Grávida
(Bisbilhoteira) E então? Já sabe? Quanto é que rendeu?

Cego
(Confidencial) Foi "onta". Ali o "home" da "nha" filha. Foi lá "arreceber".
A "prumêra" vez.

Grávida
(Fria) Sim?! E quanto foi?

Cego
(Feliz) Ah! Ela... "inté me fez cá 'ma spreza"... "Tadinha". Arranjou-me aí um"pxinho"... "Más"... "S'ele" era, ham?! (Sinal com as mãos) Assim! Gordo, bonito... (Encolhe os ombros satisfeito) Ah! "Sabe q'ê gosto, n'é?"

Grávida
(Maldisposta) Vocemecê tem sorte, tem!

Cego
(Muito contente) Eh, "rai"! Há "m'ta" tempo... que "nã" "c'mia" que "masoubesse"...

Grávida
(Quase num lamento) Tem sorte, tem.

Prista Mosteiro, A Caixa,
Moraes Editores


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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?

   Durante séculos, o lobo foi considerado na Europa como uma das encarnações do mal. Feroz, cruel e espreitando no fundo das florestas, ainda povoa o nosso imaginário. É o mau da fita na história do Capuchinho Vermelho. Aparece ligado aos vampiros na literatura romântica do século passado. O Drácula imaginado por Bram Stoker não comandava legiões uivantes do alto do seu castelo dos Cárpatos?
   Nas lendas portuguesas abundam histórias trágicas com alcateias. Quem, ainda há menos de cem anos nas aldeias portuguesas ou espanholas, ousava pôr em dúvida que, por via de uma estranha maldição, alguns infelizes se transformavam em lobisomens e corriam uivando pelos campos nas noites de lua cheia? (...)
   E, no entanto, nem todas as tradições antigas faziam deste animal um ser maléfico. Basta lembrar a lenda da fundação de Roma, com os irmãos Rómulo e Remo amamentados por uma loba.
   Hoje, com o lobo europeu ameaçado de extinção, descobre-se que, afinal, a ferocidade que lhe era correntemente apontada pecava por manifesto exagero. Biólogos e especialistas em comportamento animal demonstraram em caso de ataque ao homem são excecionais e praticados por animais doentes ou perturbados.
   Um pouco por toda a Europa começa a olhar-se para os lobos com outros olhos. Há tentativas de reintrodução de animais no campo, experiências-piloto, criação em semicativeiro, etc.
   E sobretudo tenta-se garantir que nos poucos sítios onde ainda há lobos em liberdade (caso de Portugal e de Espanha, calculando-se para o nosso país um efetivo  da ordem das duas centenas de indivíduos), estes possam continuar a viver com um mínimo de tranquilidade.

Alvean Tahiri e Stéphanie Cascino,
 in Expresso
 

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domingo, 13 de setembro de 2015

AS VERTIGENS DE ROBINSON

   Desde a mais tenra infância que Robinson tinha vertigens. Pôr-se de pé em cima de uma cadeira bastaria para lhe provocar um certo mal-estar. Um dia, tinha querido visitar o campanário da catedral da sua cidade natal, York. Depois de uma longa escalada por uma escada íngreme e estreita, em caracol, vira-se bruscamente fora da sombra das paredes, em pleno céu, numa plataforma de onde se via toda a cidade,  com os seus habitantes do tamanho de formigas. Gritou, cheio de medo, e tiveram de o descer como um embrulho, com a cabeça tapada pela capa de estudante.
   Por isso, todas as manhãs se esforçava por subir a uma árvore, com o objetivo de perder o medo. Antigamente, teria achado este exercício ridículo e inútil. Mas, desde que vivia tomando Sexta-Feira como modelo, achava importante livrar-se daquela terrível tendência para as vertigens.
   Nessa manhã, escolhera uma araucária, uma das maiores árvores da ilha. Agarrou-se ao ramo mais baixo e içou-se, apoiando-se num joelho. Trepou depois dos sucessivos andares de ramagens, pensando que gozaria o nascer do sol um pouco mais cedo quando se encontrasse no topo da árvore. À medida que subia, sentia a árvore vibrar cada vez mais, e balouçar ao vento. A vertigem começou a contrair-lhe o estômago. Estava já próximo do cimo quando, de repente, se viu suspenso no vazio. Certamente por efeito de um raio, o tronco estava desprovido de ramos ao longo de dois metros. Cometeu então um erro que dificilmente se evita quando se teme a vertigem: olhou para baixo. Não viu senão uma confusão de ramos que pareciam desabar, girando como uma espiral. A angústia paralisou-o e agarrou-se ao tronco, apertando-o com os braços e entre as pernas. Compreendeu, finalmente, que devia olhar, não para baixo, mas sim para cima. Levantou os olhos. No céu azul, um grande pássaro dourado em forma de losango balouçava-se ao sabor do vento. Sexta-feira dera cumprimento à sua misteriosa promessa: fazia Andoar voar.

Michel Tournier, Sexta-feira ou a Vida Selvagem,
 Editorial Presença

terça-feira, 8 de setembro de 2015

ARMA SECRETA

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha reta
mais longe que os foguetões.

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Ereta, na torre erguida,
um alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.

António Gedeão, Poesias Completas

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domingo, 6 de setembro de 2015

O TONECAS E O JOAQUIM

Professor:

Agora preste muita atenção: Joaquim partiu uma perna... Onde está o sujeito?

Tonecas:

Está no hospital...

Professor:

Não, menino...

Tonecas:

Então está no posto da Cruz Vermelha...

Professor:

Ó menino! Não diga mais asneiras, por favor... O sujeito é o Joaquim percebeu?

Tonecas:

Ah! Agora percebi...

Professor:

Bem. Então diga-me: O Joaquim partiu a cabeça... Joaquim que é?

Tonecas:

É um grande infeliz, senhor professor!

Professor:

O quê, menino?

Tonecas:

Pois claro!... Em tão pouco tempo já partiu uma perna e a cabeça.

José de Oliveira Cosme, As Lições do Menino Tonecas,
 Diálogos Humorísticos

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sábado, 5 de setembro de 2015



MADAGÁSCAR

   É a quarta maior ilha do Mundo e fica situada no oceano Índico, ao largo da costa de África. Terra pequena, mas cheia de contrastes e surpresas. No lado leste, está coberta de floresta tropical húmida, mas a sul o clima é quente e seco. Nas montanhas, o clima é mais fresco.
 

   Há muitos animais e plantas que só existem em Madagáscar. Os tenreques, por exemplo, que parecem ouriços-cacheiros, e os lémures-de-cauda-anelada. Dois terços dos camaleões de todo o Mundo vivem nesta ilha. São lagartos que mudam de cor conforme estão zangados ou assustados e alguns são muito pequenos.
    Os habitantes desta ilha são os malgaxes. Os habitantes mais antigos vieram para a ilha há mais de 1.500 anos, provenientes do Sudeste da Ásia. Mas também de mais perto, alguns atravessaram só o canal de Moçambique para chegarem a Madagáscar.
Lémures-de-cauda-anelada
   
   Nos dias de hoje, a maioria dos habitantes descendentes dos asiáticos, vivem na capital ou arredores e os descendestes de africanos estão mais distribuídos pela costa.
   Todos falam a língua malgaxe.
   Madagáscar pertenceu à França mais de 50 anos e muitos habitantes  falam também francês. Tornou-se independente em 1960.
  A maioria da população vive da agricultura. Cultivam principalmente arroz, mandioca, cana-de-açúcar, café e baunilha. Outras das suas atividades são a criação de gado e a pesca.
   Desde a apresentação do filme Madagáscar, que a ilha ficou mais conhecida pelos jovens do mundo inteiro.
Camaleão de Madagáscar

Tenreque

Personagens do filme Madagáscar