sábado, 31 de dezembro de 2016

FÁBULA ou HISTÓRIA

Um dia, magro e sentindo um real desfastio,
Um macaco com a pele de um tigre se vestiu.
O tigre fora malvado, ele tornou-se atroz.
Ele tinha assumido o direito a ser feroz.
Arreganhava os dentes, gritando: eu serei
O herói dos matagais, da noite o temível rei!
Como malfeitor dos bosques, emboscado nos espinhos,
De horror, morte e rapinas, escureceu os caminhos,
Degolou os viajantes e devastou a floresta,
Fez tudo o que faz aquela pele funesta.
Vivia no seu antro, no meio da voragem.
Todos, vendo-lhe a pele, criam na personagem.
Gritava e rugia como as feras danadas:
Olhem, a minha caverna está cheia de ossadas;
Olhem para mim, sou um tigre! Tudo freme!
Temiam-no os animais, fugindo com grandes passos.
Um domador apareceu e tomando-o nos braços,
Rasgou-lhe a pele, como se rasga um farrapo,
E, pondo a nu o herói, disse: Não passas de um macaco!

Victor Hugo, Poemas

1802-1885

Escritor francês

Resultado de imagem para macaco e tigre

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A BAILARINA RUSSA

   Uma bailarina russa que tinha setenta anos e ensinava dança pelas escolas, foi seguida por um jovem, seduzido por sua figura esguia e arrebatadora.
   Para não ser alcançada, correu até casa e,ofegante, fechou-se no apartamento. A filha jovem interrogou-a sobre o sucedido.
   «Uma coisa extraordinária», responde a velha mãe. «Um rapaz seguiu-me e eu não quis que descobrisse meu rosto para não o desiludir com a minha idade. Vê pela janela se ele ainda está no passeio.»
   A filha foi à janela e, sobre a estrada, depara com um velho que olhava para cima.

Tonino Guerra, Histórias para Uma Noite de Calmaria

1920-2012 - Autor italiano

Imagem relacionada

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

ESTE ANO

Este ano cresceu de joelhos
a noite conservou as quatro luas
as crianças têm seus cabelos
seus gritos de paz intransmissíveis

Luiza Neto Jorge

1939-1989

Poetisa portuguesa

Resultado de imagem para lanternas no céu

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

FALA!

Fala a sério e fala no gozo
fá-la p'la calada e fala claro
fala deveras saboroso
fala barato e fala caro

Fala ao ouvido fala ao coração
falinhas mansas ou palavrão

Fala à miúda mas fá-la bem
Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe

Fala franciú fala béu-béu

Fala fininho e fala grosso
desentulha a garganta levanta o pescoço

Fala como se falar fosse andar
fala com elegância muita e devagar.

Alexandre O'Neill, Poesias Completas

1924-1986

Resultado de imagem para falar

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

DE UM BESTIÁRIO


FORMIGA

Com a formiga viajei,
Quase de braço dado...

Senhora formiga
É bom que se diga
Que tu és má:

Vais à alma, a pé,
p'ra roubar até
O que lá não há...


CISNE

Na água lenta onde insinua
O pescoço, espasmo constante,
Pura e hostil desliza a sua
Branca forma perturbante.


ANDORINHA

Despenteei-me já, mercê duma andorinha
Que na cabeça me passava p'la tardinha.


GRILO

O grilo que lutava ainda,
Adormeceu.

Coitado,
Já não podia aguentar o peso da noite.


Alexandre O'Neill, Obras Completas

1924-1986

Resultado de imagem para cisne