quarta-feira, 30 de setembro de 2015

MAGNÍFICA CARREIRA

   Uma vez, tinha eu seis anos, vi uma imagem magnífica num livro sobre a Floresta Virgem, chamado «Histórias Vividas». Era uma jiboia a engolir uma fera. Copiei o desenho para vocês poderem ver como era.
   O livro explicava: «As jiboias engolem as presas inteirinhas, sem as mastigar. Depois nem sequer se podem mexer e ficam a dormir durante os seis meses que a digestão demora.»
   Então, pensei e tornei a pensar nas aventuras da selva, peguei num lápis de cor e acabei por conseguir fazer o meu primeiro desenho. O meu desenho número 1. Era assim:



 Fui mostrar a minha obra-prima às pessoas grandes e perguntei-lhes se o meu desenho lhes metia medo.
   As pessoas grandes responderam. «Como é que um chapéu pode meter medo?»
   O meu desenho não era um chapéu. O meu desenho era uma jiboia a digerir um elefante. Para as pessoas grandes conseguirem perceber, porque as pessoas grandes estão sempre a precisar de explicações, fui desenhar a parte de dentro da jiboia. O meu desenho número 2 ficou assim:
   

   As pessoas grandes disseram que era melhor eu deixar-me de jiboias abertas e jiboias fechadas e dedicar-me antes à Geografia, à História, à Matemática e à Gramática. Foi assim que, aos seis anos, me vi forçado a desistir de uma magnífica carreira de pintor. Os sucessivos insucessos do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2 fizeram-me desanimar. As pessoas grandes nunca percebem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de ter que estar sempre a explicar-lhes tudo.
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho, Caravela

terça-feira, 29 de setembro de 2015

CINCO RÉIS DE GENTE

Vai sempre na frente
Dos outros que vão
Cedo para a escola;
Corpinho delgado;
O olhar mariola,
- Belos os cabelos,
Quantos caracóis!
Mas as mangas rotas
Nos dois cotovelos
São de andar no chão
Atrás dos novelos!
Os olhos dois sóis
Que alumiam tudo!
A mãe tecedeira,
Perdeu o marido,
Mas vive encantada
Para o seu miúdo.

António Botto, Palavras de cristal
Poeta português
 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PEQUENA CANÇÃO

Pássaro da lua
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?

Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...

Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!

Cecília Meireles, Viagem; vaga música,
Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro


sábado, 26 de setembro de 2015

NA ILHA DO FOGO

   As gémeas tinham percebido muito bem o que ele queria. Só não entenderam porque desligara tão de repente! É que as ilhas de Cabo Verde são suficientemente espalhadas no oceano para poder estar um temporal sobre duas ou três e um dia lindo nas outras. Não lhes passava portanto pela cabeça que os amigos vivessem momentos angustiosos debaixo de um ciclone, enquanto ambas se divertiam à grande na piscina do hotel. Tanto elas como o João adoravam estar ali, embora não tivessem encontrado o menor rasto dos italianos e do seu "prisioneiro". Mas viver uns dias na ilha do Fogo é uma experiência única porque a ilha do Fogo é um vulcão com uma cratera no topo que ainda fumega de vez em quando. Na encosta veem-se grandes rios de  lava negra e seca, que escorrem lá do alto até ao mar assinalando o caminho das várias erupções. No entanto, se lá por dentro a terra ainda rosna e se revolve entre pedras incandescentes, por fora não pode ser mais linda! Campos cultivados, pequenas aldeias, praias de areia preta muito fina, limpa e brilhante. A cidade de São Filipe, então, é uma beleza. Ruas empedradas, casas antigas e uma vista soberba! Para onde quer que uma pessoa se volte, lá está o mar imenso e a ilha Brava, minúscula, rochosa, com uma particularidade. Mesmo que o céu esteja límpido a toda a volta, tem sempre um chapelinho de nuvens por cima. Um chapelinho à sua medida, elegante como um adorno.

Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verde
Ilha do Fogo



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

SEGREDO

Sei um ninho
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga, Diário VIII


terça-feira, 22 de setembro de 2015

NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia
Autor brasileiro 1902-1987


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

BRINQUEDO

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.

Miguel Torga, Diário I



terça-feira, 15 de setembro de 2015

A GRÁVIDA E O CEGO

Grávida
Então vizinho?! Lá se tem amanhado, hem?

Cego
(Feliz) Hum! Cá vamos indo... andando.

Grávida
(Bisbilhoteira) E então? Já sabe? Quanto é que rendeu?

Cego
(Confidencial) Foi "onta". Ali o "home" da "nha" filha. Foi lá "arreceber".
A "prumêra" vez.

Grávida
(Fria) Sim?! E quanto foi?

Cego
(Feliz) Ah! Ela... "inté me fez cá 'ma spreza"... "Tadinha". Arranjou-me aí um"pxinho"... "Más"... "S'ele" era, ham?! (Sinal com as mãos) Assim! Gordo, bonito... (Encolhe os ombros satisfeito) Ah! "Sabe q'ê gosto, n'é?"

Grávida
(Maldisposta) Vocemecê tem sorte, tem!

Cego
(Muito contente) Eh, "rai"! Há "m'ta" tempo... que "nã" "c'mia" que "masoubesse"...

Grávida
(Quase num lamento) Tem sorte, tem.

Prista Mosteiro, A Caixa,
Moraes Editores


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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?

   Durante séculos, o lobo foi considerado na Europa como uma das encarnações do mal. Feroz, cruel e espreitando no fundo das florestas, ainda povoa o nosso imaginário. É o mau da fita na história do Capuchinho Vermelho. Aparece ligado aos vampiros na literatura romântica do século passado. O Drácula imaginado por Bram Stoker não comandava legiões uivantes do alto do seu castelo dos Cárpatos?
   Nas lendas portuguesas abundam histórias trágicas com alcateias. Quem, ainda há menos de cem anos nas aldeias portuguesas ou espanholas, ousava pôr em dúvida que, por via de uma estranha maldição, alguns infelizes se transformavam em lobisomens e corriam uivando pelos campos nas noites de lua cheia? (...)
   E, no entanto, nem todas as tradições antigas faziam deste animal um ser maléfico. Basta lembrar a lenda da fundação de Roma, com os irmãos Rómulo e Remo amamentados por uma loba.
   Hoje, com o lobo europeu ameaçado de extinção, descobre-se que, afinal, a ferocidade que lhe era correntemente apontada pecava por manifesto exagero. Biólogos e especialistas em comportamento animal demonstraram em caso de ataque ao homem são excecionais e praticados por animais doentes ou perturbados.
   Um pouco por toda a Europa começa a olhar-se para os lobos com outros olhos. Há tentativas de reintrodução de animais no campo, experiências-piloto, criação em semicativeiro, etc.
   E sobretudo tenta-se garantir que nos poucos sítios onde ainda há lobos em liberdade (caso de Portugal e de Espanha, calculando-se para o nosso país um efetivo  da ordem das duas centenas de indivíduos), estes possam continuar a viver com um mínimo de tranquilidade.

Alvean Tahiri e Stéphanie Cascino,
 in Expresso
 

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domingo, 13 de setembro de 2015

AS VERTIGENS DE ROBINSON

   Desde a mais tenra infância que Robinson tinha vertigens. Pôr-se de pé em cima de uma cadeira bastaria para lhe provocar um certo mal-estar. Um dia, tinha querido visitar o campanário da catedral da sua cidade natal, York. Depois de uma longa escalada por uma escada íngreme e estreita, em caracol, vira-se bruscamente fora da sombra das paredes, em pleno céu, numa plataforma de onde se via toda a cidade,  com os seus habitantes do tamanho de formigas. Gritou, cheio de medo, e tiveram de o descer como um embrulho, com a cabeça tapada pela capa de estudante.
   Por isso, todas as manhãs se esforçava por subir a uma árvore, com o objetivo de perder o medo. Antigamente, teria achado este exercício ridículo e inútil. Mas, desde que vivia tomando Sexta-Feira como modelo, achava importante livrar-se daquela terrível tendência para as vertigens.
   Nessa manhã, escolhera uma araucária, uma das maiores árvores da ilha. Agarrou-se ao ramo mais baixo e içou-se, apoiando-se num joelho. Trepou depois dos sucessivos andares de ramagens, pensando que gozaria o nascer do sol um pouco mais cedo quando se encontrasse no topo da árvore. À medida que subia, sentia a árvore vibrar cada vez mais, e balouçar ao vento. A vertigem começou a contrair-lhe o estômago. Estava já próximo do cimo quando, de repente, se viu suspenso no vazio. Certamente por efeito de um raio, o tronco estava desprovido de ramos ao longo de dois metros. Cometeu então um erro que dificilmente se evita quando se teme a vertigem: olhou para baixo. Não viu senão uma confusão de ramos que pareciam desabar, girando como uma espiral. A angústia paralisou-o e agarrou-se ao tronco, apertando-o com os braços e entre as pernas. Compreendeu, finalmente, que devia olhar, não para baixo, mas sim para cima. Levantou os olhos. No céu azul, um grande pássaro dourado em forma de losango balouçava-se ao sabor do vento. Sexta-feira dera cumprimento à sua misteriosa promessa: fazia Andoar voar.

Michel Tournier, Sexta-feira ou a Vida Selvagem,
 Editorial Presença

terça-feira, 8 de setembro de 2015

ARMA SECRETA

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha reta
mais longe que os foguetões.

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Ereta, na torre erguida,
um alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.

António Gedeão, Poesias Completas

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domingo, 6 de setembro de 2015

O TONECAS E O JOAQUIM

Professor:

Agora preste muita atenção: Joaquim partiu uma perna... Onde está o sujeito?

Tonecas:

Está no hospital...

Professor:

Não, menino...

Tonecas:

Então está no posto da Cruz Vermelha...

Professor:

Ó menino! Não diga mais asneiras, por favor... O sujeito é o Joaquim percebeu?

Tonecas:

Ah! Agora percebi...

Professor:

Bem. Então diga-me: O Joaquim partiu a cabeça... Joaquim que é?

Tonecas:

É um grande infeliz, senhor professor!

Professor:

O quê, menino?

Tonecas:

Pois claro!... Em tão pouco tempo já partiu uma perna e a cabeça.

José de Oliveira Cosme, As Lições do Menino Tonecas,
 Diálogos Humorísticos

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sábado, 5 de setembro de 2015



MADAGÁSCAR

   É a quarta maior ilha do Mundo e fica situada no oceano Índico, ao largo da costa de África. Terra pequena, mas cheia de contrastes e surpresas. No lado leste, está coberta de floresta tropical húmida, mas a sul o clima é quente e seco. Nas montanhas, o clima é mais fresco.
 

   Há muitos animais e plantas que só existem em Madagáscar. Os tenreques, por exemplo, que parecem ouriços-cacheiros, e os lémures-de-cauda-anelada. Dois terços dos camaleões de todo o Mundo vivem nesta ilha. São lagartos que mudam de cor conforme estão zangados ou assustados e alguns são muito pequenos.
    Os habitantes desta ilha são os malgaxes. Os habitantes mais antigos vieram para a ilha há mais de 1.500 anos, provenientes do Sudeste da Ásia. Mas também de mais perto, alguns atravessaram só o canal de Moçambique para chegarem a Madagáscar.
Lémures-de-cauda-anelada
   
   Nos dias de hoje, a maioria dos habitantes descendentes dos asiáticos, vivem na capital ou arredores e os descendestes de africanos estão mais distribuídos pela costa.
   Todos falam a língua malgaxe.
   Madagáscar pertenceu à França mais de 50 anos e muitos habitantes  falam também francês. Tornou-se independente em 1960.
  A maioria da população vive da agricultura. Cultivam principalmente arroz, mandioca, cana-de-açúcar, café e baunilha. Outras das suas atividades são a criação de gado e a pesca.
   Desde a apresentação do filme Madagáscar, que a ilha ficou mais conhecida pelos jovens do mundo inteiro.
Camaleão de Madagáscar

Tenreque

Personagens do filme Madagáscar

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

COISAS DE AMOR

A Tesoura bem andava
à procura de um marido.
Nunca mais o encontrava:
era um Tesouro escondido.

A bela Bola amarela
sofria de um amor tolo:
gostava muito de um Bolo
(mas ele não gostava dela).

Uma casa arredondada
casou com um Caso bicudo.
Para as Casas um teto é tudo,
casam por tudo e por nada!

Manuel António Pina

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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

CANÇÃO DE EMBALAR

Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será para ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ou virás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu canto
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme que inda a noite é uma menina

Deixa-a vir também adormecer

José Afonso

terça-feira, 1 de setembro de 2015

SOPA DE TARTARUGA FINGIDA

  Durante todo o tempo em que estiveram a jogar, a Rainha nunca parou de implicar com os jogadores, gritando: "Cortem a cabeça dele!" ou "Cortem a cabeça dela!" Os que eram condenados, eram imediatamente levados pelos soldados que, como é evidente, tinham de deixar de ser arcos; por isso, daí a cerca de meia hora, já não havia arcos e todos os jogadores, exceto o Rei, a Rainha e Alice, estavam presos ou condenados à morte. Por fim, a Rainha desistiu, já sem fôlego, e perguntou a Alice: "Já viste a Tartaruga Fingida?"
   "Não", respondeu Alice. "Nem sei o que é uma Tartaruga Fingida."
   "É aquilo de que é feita a Sopa de Tartaruga Fingida", disse a Rainha.
   "Nunca vi nem ouvi falar de nenhuma", disse Alice.
   "Então anda daí", disse a Rainha, "e ela conta-te a sua história."
   Enquanto se afastavam juntas, Alice ouviu o Rei dizer, em voz baixa ao grupo: "Estão todos perdoados."
   "Ora vá lá, aí está uma coisa boa!", disse a si mesma, porque se sentia muito infeliz com a quantidade de condenações ordenadas pela Rainha.

Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas
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