sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

COLAR DE CAROLINA

Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.
O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.
E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.

Cecília Meireles

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

SOL DE PAPEL

O menino tem o sol
seguro por um cordel.
A atmosfera mole
cheira a pimentos e mel.

O menino tem o sol
seguro por um cordel.
Ou é um sol de papel?
Ou é um sol de papel?

A tarde é um rouxinol
que canta nos olhos dele.
O menino tem o sol
seguro por um cordel.

Armindo Rodrigues, Verso Aqui, Verso Acolá

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

FALAM OS BAGOS DE TRIGO

   Metidos numa arca velha, desde que o António Seareiro os guardara para semente, os bagos de trigo tinham acabado por adormecer naquela escuridão de muitos meses, julgando talvez que estavam esquecidos e ali ficariam a apodrecer o resto da vida.
   Ignoravam, pois, que o Doirado, um boi amarelo todo paciência e poder, já lavrara com a charrua, no outono, a parte da leiva destinada à semeadura e que o António preparava a grade com que desfaria os torrões do alqueive, na esperança de uma boa colheita, tanto mais que já comprara um saco de adubo para revigorar a terra cansada.
   Só quem vivesse a apatia dorminhoca dos bagos resignados poderia entender depois o entusiasmo e a alegria que rebentaram na velha arca mal a Maria Rita lhe levantou a tampa e a luz do dia os sacudiu. Até o Serrano - vejam lá! -, um bago anafado e sempre resmungão, se pôs a saltitar de contentamento, como se percebesse, o maroto, o destino que lhe reservavam.
   E não se enganava, o espertalhão!

 Alves Redol, A Vida Mágica da Sementinha



terça-feira, 12 de janeiro de 2016


O GATO DAS BOTAS

   Era uma vez um moleiro muito pobre, que tinha três filhos. os dois mais velhos eram preguiçosos e o mais novo era muito trabalhador.
   Quando o moleiro morreu, só deixou como herança um moinho, um burrinho e um gato. O moinho ficou para o filho mais velho, o burrinho para o filho do meio e o gato para o filho mais novo. Este último ficou muito descontente com a parte que lhe coube da herança, mas o gato disse-lhe:
   - Meu querido amo, compra-me um par de botas e um saco e, em breve, te provarei que sou de mais utilidade que um moinho ou um asno.
   Assim, pois, o rapaz converteu todo o dinheiro que possuía num lindo par de botas e num saco para o seu gatinho. Este calçou as botas e, pondo o saco às costas, encaminhou-se para um sítio onde havia uma coelheira. Quando ali chegou, abriu o saco, meteu-lhe uma porção de farelo miúdo e deitou-se no chão fingindo-se morto.
   Excitado pelo cheiro do farelo, o coelho saiu do seu esconderijo e dirigiu-se para o saco. O gato apanhou-o logo e levou-o ao rei, dizendo-lhe:
   - Senhor, o nobre marquês de Carabás mandou que lhe entregasse este coelho. Guisado com cebolinhas será um prato delicioso.
   - Coelho?! - exclamou o rei. - Que bom! Gosto muito de coelho, mas o meu cozinheiro não consegue nunca apanhar nenhum. Diz ao teu amo que eu lhe mando os meus mais sinceros agradecimentos.
   No dia seguinte, o gatinho apanhou duas perdizes e levou-as ao rei como presente do marquês de Carabás.
   Durante um tempo, o gato continuou a levar ao palácio outros presentes, todos dizia serem da parte do marquês de Carabás.
   Um dia, o gato convidou o seu amo para tomar um banho no rio. Ao chegarem ao local o gato disse ao jovem:
   - De hoje em diante o seu nome será marquês de Carabás. Agora, por favor, tire a roupa e entre na água.
   O rapaz não entendia nada, mas como confiava no gato, atendeu o seu pedido.
   O gato tinha levado o rapaz a um local onde devia passar a carruagem real.
   Esperto, o gato ao ver uma carruagem a aproximar-se, começou a gritar:
   - Socorro! Socorro!
   - Que aconteceu? - perguntou o rei, descendo da carruagem.
   Os ladrões roubaram a roupa do nobre Marquês de Carabás! - disse o gato. O meu amo está dentro de água e ficará resfriado.
   O rei mandou imediatamente uns servos ao palácio; voltaram daí a pouco com  magnífico vestuário feito para o próprio rei, quando era jovem.
   O dono do gato vestiu-se e ficou tão bonito que a princesa, assim que o viu, se enamorou dele. O rei também ficou encantado e murmurou:
   - Eu era exatamente assim, nos meus tempos de moço.
   O rei convidou o falso marquês para subir para a sua carruagem.
   - Será que vossa majestade nos dá a honra de visitar o palácio do marquês de Carabás? - perguntou o gato, perante o olhar aflito do rapaz.
   O rei aceitou o convite e o gato foi à frente, para preparar uma receção ao rei e à princesa.
   O gato estava radiante com o êxito do seu plano; e, correndo à frente da carruagem, chegou a uns campos e disse aos lavradores:
   - O rei está a chegar; se não lhe disserem que todos estes campos pertencem ao marquês de Carabás, o rei mandará cortar-lhes a cabeça.
   De forma que, quando o rei perguntou de quem eram aquelas searas, os lavradores responderam-lhe:
   - Do muito nobre marquês de Carabás.
   - Que lindas propriedades tens tu! - elogiou o rei ao jovem.
   O moço sorriu perturbado, e o rei murmurou ao ouvido da filha:
   - Eu também era assim, nos meus tempos de moço.
   Mais adiante, o gato encontrou uns camponeses a ceifar trigo e fez-lhes a mesma ameaça:
   - Se não disserem que todo este trigo pertence ao marquês de Carabás, faço picadinho de vocês.
   Assim, quando chegou a carruagem real e o rei perguntou de quem era todo aquele trigo, responderam:
   - Do mui nobre marquês de Carabás.
   O rei ficou muito entusiasmado e disse ao rapaz:
   - Ó marquês! Tens muitas propriedades!
   O gato continuava a correr à frente da carruagem; atravessando um espesso bosque, chegou à porta de um magnífico palácio, no qual vivia um ogre malvado que era o verdadeiro dono dos campos semeados. O gatinho bateu à porta e disse ao ogre que a abriu:
   - Meu querido ogre, tenho ouvido por aí uma histórias a teu respeito. Diz-me lá: é certo que te podes transformar no que quiseres?
   - Certíssimo! - respondeu o ogre, e transformou-se num leão.
   - Isso não vale nada! - disse o gatinho. - Qualquer um pode inchar e aparecer maior do que realmente é. Toda a arte está em se tornar menor. poderias, por exemplo, transformar-te em rato?
   - É fácil! - respondeu o ogre, e transformou-se num rato.
   O gatinho deitou-lhe logo as unhas, comeu-o e desceu logo a abrir a porta, pois naquele momento chegava a carruagem real. E disse:
   - Bem vindo seja, senhor, ao palácio do marquês de Carabás.
   - Olá! - disse o rei.
   - Que formoso palácio tu tens! Peço-te a fineza de ajudar a princesa a descer da carruagem.
   O rapaz, timidamente, ofereceu o braço à princesa e o rei murmurou-lhe ao ouvido:
   - Eu também era assim tímido, nos meus tempos de moço.
   Entretanto, o gatinho meteu-se na cozinha e mandou preparar um esplêndido almoço, pondo na mesa os melhores vinhos que havia na adega; e, quando o rei, a princesa e o amo entraram na sala de jantar e se sentaram à mesa, tudo estava pronto.
   Depois do magnífico almoço, o rei voltou-se para o rapaz e disse-lhe:
   - Jovem, és tão tímido como eu era nos meus tempos de moço. Mas percebo que gostas muito da princesa, assim como ela gosta de ti. Por que não a pedes em casamento?
   Então, o moço pediu a mão da princesa, e o casamento foi celebrado com a maior pompa. O gato assistiu, calçando um novo par de botas com cordões encarnados e bordados a ouro e preciosos diamantes.
   E daí em diante, passaram a viver muito felizes. E se o gato, às vezes, ainda  corria atrás dos ratos, era apenas por divertimento; porque já não precisava de ratos para matar a fome...

Charles Perrault

CHARLES PERRAULT
Nasceu a 12 de janeiro de 1628 (faz amanhã 389 anos que nasceu) e faleceu em 1703.
Escritor e poeta francês do século XVII, que estabeleceu as bases para uma nova categoria literária: o conto de fadas.
Autor de contos conhecidos por miúdos e graúdos de todo o mundo: O Capuchinho Vermelho, O Gato das Botas, Barba Azul, O Pequeno Polegar, A Bela Adormecida, Cinderela...



sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O PASTOR

Pastor, pastorinho,
onde vais sozinho?

Vou àquela serra
buscar uma ovelha.

Porque vais sozinho
pastor, pastorinho?

Não tenho ninguém
que me queira bem!

Não tens um amigo?
Deixa-me ir contigo.

Eugénio de Andrade, Aquela Nuvem e Outras

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

INÊS de CASTRO

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Luís de Camões, Os Lusíadas
(Canto III, estância 120)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

 A SEMENTINHA

   Impressionante, o cheiro da terra que comprimia o seu corpo de semente.
   (...)
   Não podia falar porque a terra quente, abafando tudo, transformava as suas palavras em silêncio. Pensou em outras sementes aprisionadas, sofrendo também a mesma angústia de humilde espera.
   Até que um dia, uma absoluta calma substituiu seus pequenos frémitos e uma espécie de sono paralisou-a; só foi despertada por um grande ruído. A terra estremecia de medo porque a natureza trovejava. Sentiu o baque da chuva sobre o solo e o cheiro gostoso do chão que estava sendo molhado. Depois... as gotas de chuva introduzindo-se, infiltrando-se até ao âmago da terra... Vinham cansadas da longa viagem que tinham feito do céu através do espaço zangado...
   A alma da sementinha despertou porque as gotas se aproximavam cada vez mais. Até que seu dorso foi arrepiado pela frialdade do líquido e uma voz clara falou:
   - Ei, menininha! Agora você pode libertar-se; agora você pode perfurar a terra e alcançar a liberdade.
   A muito custo ela abriu os olhos de semente e gaguejou:
   - Boa noite, senhora!
   A gota de água riu.
   - Não é noite, não, menininha. É dia!...
   - Como podia saber, se aqui sempre é tão escuro?...
   A chuva riu.
   A semente perguntou, amedrontada:
   - Como é que a senhora sabe de tudo?
   - Ora, meu bem, eu sou uma velha chuva cansada de ser chuva.
   - Para onde vai agora a senhora?
   - Agora? Vou, juntamente com as minhas irmãs, criar uma nascente que, com o correr dos anos, virará um grande rio. Durante muito tempo serei esse rio, até que um arco-íris me beba e me transforme de novo em chuva...

José Mauro de Vasconcelos, Rosinha, Minha Canoa