domingo, 30 de agosto de 2015

BOM CONSELHO

Ouça um bom conselho
Que lhe dou de graça
Inútil dormir
Que a dor não passa.
Espero sentado
Ou você se cansa
Está provado
Quem espera nunca alcança.

Ouça meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com o meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que
não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade.

Chico Buarque de Hollanda


sábado, 29 de agosto de 2015

A ESTOUVACA

deitada atravessada
na estrada
a malhada
vai ser atropelada
foi

Alexandre O'Neill, Poesias Completas


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O MENINO TONECAS

Professor:   
Ora vamos lá ver: Joaquim escuta a lição... A lição o que é?

Tonecas:     
A lição? ... A lição hoje é de Gramática...

Professor:   
Oh, menino! Eu sei que é de Gramática... O que eu pergunto é, na oração: "Joaquim escuta a lição." , a lição o que é?... Vamos! Escuta...

Tonecas:     
Ah! Já sei! "Quem escuta, de si ouve..."

Professor:  
 Não menino! Não é nada disso... Valha-me Deus! Quem escuta, escuta alguma coisa... Logo, a lição é o complemento direto, percebeu?...

Tonecas:     
Ah! Agora percebi...

Professor:  
 Ora até que enfim! Agora, preste muita atenção: todos os verbos transitivos pedem complemento direto, isto é, exprimem ação que exige objeto, como por exemplo: estimar alguém, comprar alguma coisa, etc. Compreendeu?

Tonecas:     
Perfeitamente, senhor professor...

Professor:
   Verbos intransitivos são aqueles que exprimem ação que não pede objeto, como por exemplo: morrer, suspirar, chover...

Tonecas:     
Ó senhor professor! Eu peço desculpa, mas chover não é intransitivo...

Professor:   
Ora essa, menino! Então porquê?...

Tonecas:     
Porque chover pede objeto...

Professor:  
 Essa agora! Então que objeto é que pede?...

Tonecas:     
Um guarda-chuva ou uma capa de borracha...

José de Oliveira Cosme, As Lições do Menino Tonecas,
Diálogos Humorísticos
Resultado de imagem para lições do tonecas

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O ROUXINOL DO IMPERADOR

   "Os meninos sabem com certeza que na China o imperador é chinês, e que todos os cortesãos que o rodeiam são chineses. Esta história é muito antiga, mas vale a pena contá-la antes que caia no esquecimento.
   O palácio do imperador era o mais belo do mundo, todo feito de porcelana, mas tão frágil e delicado que era preciso grande precaução para tocá-lo.
    No jardim cresciam as flores mais raras. Para lá das flores, confundia-se com uma enorme floresta, com árvores altíssimas e lagos profundos. A floresta descia até ao mar, que era de um azul-celeste. E grandes navios podiam chegar até perto dos ramos das árvores, nas quais vivia um rouxinol.
   Este rouxinol cantava tão maravilhosamente, que mesmo o pobre pescador, que tanto tinha a fazer, parava para o ouvir sempre que, à noite, vinha lançar as redes.
   De todos os pontos do mundo chegavam viajantes para visitar o palácio e o jardim do imperador. Mas aquilo que mais os encantava era o rouxinol. E, quando o ouviam, diziam todos:
   - Ah, não há dúvida que é o melhor de tudo quanto vimos!"

Hans Christian Andersen, O rouxinol e o imperador da China

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O ELEFANTE

O elefante é um bicho narigudo.
Com um nariz que nunca mais acaba
e um rabo pequenino, é extraordinário:
o nariz-tromba é que parece o rabo, 
um grande rabo mas posto ao contrário.

O elefante é um pândego orelhudo.

As orelhas tão grandes, largas, rasas,
parecem tampas de panelas velhas,
folhas de couve, barbatanas, asas,
tapetes ou abanos... ai que orelhas!
O elefante é um animal dentudo.
Mostra dois dentes grandes e bonitos,
branquinhos, de marfim, ponta aguçada...
Aquilo não são dentes, são palitos
espetados na boca desdentada!
O elefante é um brincalhão pançudo.
Com um tal peso e com um tal tamanho
se pudesse brincava o dia inteiro
nos rios, a nadar ou a tomar banho,
com a tromba servindo de chuveiro.
O elefante é um operário mudo.
Quando o homem o caça e ensina, manso,
num circo ou lenhador-carregador,
não diz nada, trabalha sem descanso:
é bom palhaço e bom trabalhador.
O elefante é grande e bom em tudo.
Na selva muito bicho mata e caça:
os maiores bichos comem os menores.
E ele, o maior, cheio de paz e graça,
come só folhas, frutos, talvez flores.
Que amigo inteligente, o bom gigante!
Tão pançudo e dentudo e narigudo
e orelhudo e operário mudo,
o elefante é grande e bom em tudo...
Por isso eu gosto muito do elefante.
Leonel Neves, O Elefante e a Pulga

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A PAZ

A paz
é uma pomba que voa.
É um casal
de namorados.
São os pardais
de Lisboa
que fazem ninho
nos telhados.
É o riacho
de mansinho
que saltita
nas pedras morenas
e toda a calma
do caminho
com árvores
altas e serenas.
A paz é o livro
que ensina.
É uma vela
em alto mar
e é o cabelo
 da menina
que o vento
conseguiu soltar.
E é o trabalho,
o pão, a mesa,
a seara de trigo,
ou de milho,
e perto
da lâmpada acesa
a mãe que embala
o seu filho.

Sidónio Muralha, Verso Aqui, Verso Acolá

sábado, 22 de agosto de 2015

A BAILARINA

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré,
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá,
mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.

Cecília Meireles
 

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

OS DEZ ANÕEZINHOS 
DA TIA VERDE-ÁGUA

   Era uma mulher casada, mas que se dava muito mal com o marido, porque não trabalhava nem tinha ordem no governo da casa; começava uma coisa, e logo passava para outra, tudo ficava em meio, de sorte que quando o marido vinha para casa nem tinha o jantar feito, e à noite nem água para os pés, nem a cama arranjada. As coisas foram assim, até que o homem lhe pôs as mãos e ia-a tocando, e ela a passar muito má vida. A mulher andava triste por o homem lhe bater, e tinha uma vizinha a quem se foi queixar, a qual era velha e se dizia que as fadas a ajudavam. Chamavam-lhe a Tia Verde-Água:
   - Ai, tia! Vossemecê é que me podia valer nesta aflição.
   - Pois sim, filha; eu tenho dez anõezinhos muito arranjadores, e mando-tos para tua casa para te ajudarem.
   E a velha começou a explicar-lhe o que devia fazer para que os dez anõezinhos a ajudassem;  que quando pela manhã se levantasse fizesse logo a cama, em seguida acendesse o lume, depois enchesse o cântaro da água, varresse a casa, aponteasse a roupa, e no intervalo em que cozinhasse o jantar fosse dobrando as suas meadas, até o marido chegar. Foi-lhe assim indicando o que havia de fazer, que em tudo isto seria ajudada sem ela o sentir pelos dez anõezinhos. A mulher  assim o fez, e se bem o fez melhor lhe saiu. Logo à boca da noite foi a casa da tia Verde-Água agradecer-lhe o ter-lhe mandado os dez anõezinhos, que ela não viu nem sentiu, mas porque o trabalho correu-lhe como por encanto. Foram-se assim passando as coisas, e o marido estava pasmado por ver a mulher tornar-se tão arranjadeira e limposa; ao fim de oito dias ele não se teve que não lhe dissesse como ela estava outra mulher, e que assim viveriam como Deus com os anjos. A mulher contente por se ver agora feliz, e mesmo porque a féria chegava para mais, vai a casa da tia Verde-Água agradecer-lhe o favor que lhe fez:
   - Ai, minha tia, os seus dez anõezinhos fizeram-me um servição;  trago agora tudo arranjado, e o meu homem anda muito meu amigo. O que eu lhe pedia agora é que mos deixasse lá ficar.
   A velha respondeu-lhe:
   - Deixo, deixo. Pois tu ainda não viste os dez anõezinhos?
   - Ainda não; o que eu queria era vê-los.
   - Não sejas tola; se tu queres vê-los olha para as tuas mãos, e os teus dedos é que são os dez anõezinhos.
   A mulher compreendeu a coisa, e foi para casa satisfeita consigo por saber como é que se faz luzir o trabalho.

Teófilo Braga, Contos Tradicionais Portugueses



quinta-feira, 20 de agosto de 2015

ENCONTRO

Marquei encontro
com o sol
esta manhã.
Em vez do sol
veio a nuvem
com seus pezinhos de lã.

Pôs-se a chorar à janela
para eu a deixar entrar,
de lágrimas fez um rio
que vai na rua a passar.

Marquei encontro
com o sol
esta manhã.
Em vez de sol
veio o vento
e pôs tudo em movimento.

Varreu as folhas do chão,
varreu a nuvem do ar.
Entrou-me pela janela
um raio de sol a brilhar.

Marquei encontro
com o sol
esta manhã.
Não vou faltar ao encontro.
Até amanhã.

Luísa Ducla Soares, A Gata Tareca e Outros Poemas Levados da Breca

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

TU ÉS INTELIGENTE

   Antes de mais nada, quero deixar uma coisa bem clara desde o princípio: tu és inteligente! Quando eu era jovem, o meu pai dizia-me sempre que toda a gente nasce inteligente - que todas as crianças possuem algum dom especial. Adorei essa ideia. Mesmo nem sempre tendo bons resultados na escola, eu, de certa forma, sabia que isso não tinha a ver comigo. Eu não era burro. Apenas aprendia de modo diferente daquele que os professores esperavam de mim.
   O meu pai ajudou-me a ver o ensino com simpatia. Ele ensinou-me a procurar o método mais adequado para a minha aprendizagem. Se eu não tivesse feito isso, poderia não ter terminado o ensino secundário ou o superior. Provavelmente, não estaria preparado para a minha vida financeira e não me teria tornado suficientemente confiante para ser quem sou.
   Todos temos uma forma diferente de aprender. O segredo é descobrir o que melhor se adapta a ti. Quando conseguires isso descobrirás o génio que se esconde aí dentro.
   Um génio é alguém com excecional habilidade nalguma coisa. Mas os génios não são necessariamente bons em tudo. Na verdade, o génio tem geralmente uma aptidão especial numa área, sendo mediano noutras.
   Sabias que Albert Einstein, que desenvolveu a Teoria da Relatividade [...], nunca teve bom aproveitamento na escola? Ele não era bom a decorar coisas mas, mesmo assim, acabou por se tornar um dos maiores físicos de todos os tempos. O cérebro dele concentrava-se em ideias, em vez de em factos. Os factos, dizia ele, podiam ser encontrados em livros, por isso não havia necessidade de guardá-los na cabeça. Ele queria a mente livre para raciocinar com clareza.
   A escola pede-nos para guardarmos os factos na memória, mas, quando estamos fora da escola, por norma só precisamos de saber onde estão armazenados os factos para podermos pesquisá-los, ou então saber a quem perguntar quando precisamos deles.
   O modo como medem o nosso desempenho na escola tem muito pouco a ver com a nossa inteligência ou com o nosso potencial de sucesso. Geralmente, o nosso rendimento escolar mede apenas o quanto somos bons a fazer testes! Não se trata de uma medida de genialidade com a qual todos nascemos.

Robert T. Kiyosaki, Pai Rico, Pai Pobre Para Jovens,
 20/20 Editora 

 


terça-feira, 18 de agosto de 2015

A dietética

   Torrãozinho suspira, Torrãozinho boceja, Torrãozinho aborrece-se...
   Na realidade, Torrãozinho chama-se Francisco Manuel João, mas a Maria João, sua irmã mais velha, que não gosta de perder tempo, deu-lhe uma alcunha doce e comestível.
   A Maria João é muito comilona!
   Ela conhece todo o género de jogos divertidos. Mas, neste momento esquece o resto do mundo e escreve um grande diário, "que tem pelo menos dez mil páginas", pensa o Torrãozinho.
   Que estará ela a fazer? Trabalho de casa nas férias? O seu diário íntimo? Um romance destinado a um grande sucesso? Ou muito simplesmente a escrever uma magnífica história de piratas que tão bem sabe contar?
   Torrãozinho suplica:
   - Fala comigo, Maria João, fala-me.
   - Silêncio, estou a escrever.
   - Mas o quê?
   - Algumas noções de dietética.
   - O quê?
   - Pobre inocente! Claro que desconheces todo o significado desta prestigiosa palavra.
   - Isso é o que pensas... Conheço todas as palavras do dicionário e todas as que lá não vêm. Quando fechei o gato no sótão, sem ser de propósito, ele ficou dois dias a dieta... Depois ficou "héctico". A dietética é isto.
   - Nada disso. A dietética é uma ciência que permite saber o que deves comer.
   - Isso já eu sei há muito tempo: muita mousse de chocolate e nada de cenouras.
   - Estás enganado! Alimentando-te ao acaso, ao sabor dos teus apetites, arruínas a saúde.
   - Queres dizer que vou ter uma indigestão? - interroga Torrãozinho.
   - Não quer dizer que isso aconteça, mas tornar-te-ás muito alto, muito largo, muito magro, muito gordo, ou muito...
   Torrãozinho encolhe os ombros:
   - Ora! Eu como o que quero e quando quero desde que a mãe não veja, e sinto-me muito bem, nem muito isto nem muito aquilo...
   - Isso é o que se pensa! - diz Maria João, ligeiramente trocista.
   Como se ele na véspera não se tivesse enchido de salgadinhos, deixando o padrinho sem nada para acompanhar o uísque!
   Mas as mulheres têm sempre a última palavra! Torrãozinho, altivo mas resignado, deixa-a e vai brincar com o comboio elétrico. Quanto à Maria João, continua mordendo a ponta da língua ao mesmo tempo que copia  para o seu grande caderno os judiciosos ensinamentos da professora de Economia Doméstica.

Maria de Lourdes Modesto, O Meu Livro de Cozinha


   

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

ANDANÇAS DO POETA

Pelo céu cor de violeta,
que lindo,
que lindo vai o poeta.

Pôs uma camisa branca
e sapatos amarelos,
as calças agarradinhas
são da feira de Barcelos.

Pelo céu vai o poeta.
Sobe, sobe de bicicleta.

Eugénio de Andrade, Aquela Nuvem e Outras

domingo, 16 de agosto de 2015

0 MENINO E SEU PRESENTE

   Quando a mãe desceu do ónibus, o menino já estava esperando no portão do jardim. Avistou-a, veio caminhando. Em vez de correr, como todos os dias, andava com dificuldade, curvado para a frente, a mão direita debaixo da blusa.
   - Que foi, Bumba?
   - Nada não, mãe.
   A mãe percebeu logo que ele estava ocultando alguma coisa.
   - O que é que está escondido aí?
   - Pinto.
   - Pinto?
   - É sim, mãe. Olha ele aqui.
   A mãe ajudou-o a levantar a blusa de lã e, antes de ver, ouviu um piado fino. A mão do menino segurava de encontro ao peito um pintinho amarelo, de aparência muito safada.
   - Pode levar para casa não - avisou a mãe.
   - Pode sim, mãe. Eu ganhei ele.
   - Ganhou de quem?
   - A tia deu ele.
   - Deu para você?
   O menino não respondeu. O pinto estava piando debaixo da blusa. Ele pôs a sacola no chão e agora,  com a mão livre, procurava acalmá-lo:
   - Dorme, nenen.
   - A tia deu ele para você? - tornou a mãe.
   - Deu, mãe. Eu juro.
   - Está certo. Os outros meninos também ganharam?
   - Ganhou. Todo mundo ganhou..
   - Deus do céu - exclamou a mãe.
   Apanhou a sacola no chão e pegou o menino pela mão:
   - Vamos, meu filho.

Wander Piroli, Outras Vezes Também Nossas,
Boletim Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian



sábado, 15 de agosto de 2015

INFÂNCIA

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo,
Minha mãe ficava sentada cosendo,
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida que não acaba mais.
[...]

Carlos Drummond de Andrade
Alguma Poesia



quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O COMBOIO DO ESTORIL

Todas as manhãs
lavo os olhos no mar.
O comboio corre
eu vou devagar
com os meus olhos verdes
no azul do mar.
Falam as pessoas
(falam por falar...)
e eu lavando os olhos
nas águas do mar.
Voa uma gaivota 
que me quer beijar.
Volta que revolta
e volta pró mar.
E meus olhos grandes
de tanto abarcar
vogam sobre as ondas
tão altas do mar.
Um barco pequeno
- quase de brincar -
parece um bebé
aos ombros do mar.
As pessoas leem
coisas de pensar.
Eu leio poesia
no livro do mar.
Com meus olhos grandes
de tanto abarcar.
O sol é uma grande
laranja a inchar.
Deixa cair gomos
de luz sobre o mar.
E um grande navio
(castelo do mar...)
leva muita gente
de lenço a acenar.
Devem ser da China
ou doutro lugar
(também terão olhos
de lavar no mar?)
No comboio os homens
fumam por fumar.
(que pensarão eles
do azul do mar?)
Só eu tenho olhos
de lavar no mar?
Só eu tenho barcos
quase de brincar?
E grandes navios
de gente a acenar?
E uma gaivota
que me quer beijar?
E a Poesia dentro
do Livro do Mar?

Eduardo Olímpio, O Comboio do Estoril


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

AS MENINAS

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:

"Bom dia!"
Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina,
a mais sábia menina.

E Maria
apenas sorria:
"Bom dia!"

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;
uma que se chamava Arabela,
outra que se chamou Carolina.

Mas a nossa profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de amizade:
"Bom dia!"

Cecília Meireles, Poesias
 

domingo, 9 de agosto de 2015

A RAPOSA E O BODE

Mestra Raposa passeava feliz
Com seu amigo Bode de altos cornos
Que não via mais longe do que o seu nariz,
Sendo ela diplomada em malandrice.
A sede os levou a fazer tal doidice:
Descer a um poço para matar a sede.
Depois de beberem à sua vontade,
Diz a Raposa ao Bode: - Que faremos, compadre?
Beber, já bebemos! Como vamos sair?
Levanta essas patas, assim contra a parede!
E os cornos também, que pelo teu espinhaço
Vou ver se consigo subir.
Depois, dos teus cornos eu faço
 Uma espécie de escada 
E já daqui me consigo safar,
Para depois te poder salvar!

- Pelas minhas barbas - diz ele - que ideia!
Como eu admiro essa tua esperteza!
Jamais descobriria tal segredo
Para sair daqui, tenho a certeza!
Salva a Raposa, não salva o companheiro.
E ainda lhe faz grande sermão
Para que ele tenha paciência.
- Se o céu - disse ela - te tivesse dado
Não apenas barbas, mas inteligência,
Tu não terias, assim tão ligeiro,
Descido ao poço. Agora, adeus, até mais ver!
Faz todo o esforço para sair daí,
Que eu tenho imensas coisas que fazer
E não posso perder mais tempo aqui.

É necessário ser previdente em todas as ocasiões.

Maria Alberta Menéres, Fábulas de La Fontaine,
Edições ASA


sábado, 8 de agosto de 2015

POÉTICA

Que é poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos os lados
Que é o poeta?
um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto
um homem 
que tem fome
como qualquer outro
homem

Cassiano Ricardo

Imagem relacionada

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

TRAVA-LÍNGUAS
- Pardal pardo, porque palras? 
- Palro sempre e palrarei,
Porque sou o pardal pardo
E palrador d'el-rei.
O rato roeu a rolha da garrafa
do rei da Rússia.
Mário Mora foi a Mora
Com intenção de vir embora
Mas, como em Mora demora,
Diz um amigo de Mora:
- Está cá o Mora?
- Está, está cá o Mora.
- Então agora o Mora mora em Mora? 
- Mora, mora.


Fui a Belas para ver velas,
Mas em Belas velas não vi;
Porque velas que iam para Belas
Eram as velas que iam daqui.



Imagem relacionada

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

ERA UMA VEZ UM MENINO

Era uma vez um menino,
Um menino pequenino.
De perninhas arqueadas...
E o menino vai crescendo,
Engatinha, faz tem-te.
Um dentinho... Dois ratinhos...
Bate palmas... Já diz "mãe"...
O menino vai crescendo.
Era uma vez um menino,
Um menino já grandito.
Já come por sua mão,
Já fala, já anda e corre
Já toca no seu tambor,
Trão-tão-tão e trão-tão-tão...
E o menino vai crescendo
E já não é um menino.
E já não é um menino,
É agora um rapazito.
Pegou na mala dos livros,
E foi para a escola aprender.
Já lê, já escreve, já conta,
Joga ao pião, ao berlinde,
Pernas sujas, esfoladas,
Calções rotos, botas tortas...
Vai crescendo, vai crescendo,
Rapazito já não é.
Patrícia Joyce, Brincar Também é Poesia 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O Pedro está perdido
porque a cabeça perdeu.
"É fácil de encontrar",
consolei-o então eu.
Deve andar lá num canto
da tua casa, quem sabe?
"Oh, não me metas isso
na minha pobre cabeça!"
"Porquê?"
"Porque já lá não cabe!"

Teresa Guedes, Palavromanias

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O MENINO AZUL

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
- de tudo o que aparecer.
O menino quer um burburinho
que saiba inventar
histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Rua das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

Cecília Meireles, Ou Isto ou Aquilo

domingo, 2 de agosto de 2015

DENTRO de um LIVRO

   Entrei pela porta de um livro e fechei-me lá dentro com as palavras acesas e as luzes apagadas. A minha mãe deu dez voltas à casa à minha procura. "Onde é que o miúdo se terá metido?" Com medo de ser encontrado, eu saltava das páginas pares para as ímpares e enrodilhava-me, feito bicho de conta, entre dois parêntesis ou, por ser muito magro, atrás de um ponto de exclamação.
   Era a primeira vez na minha vida que eu me fechava dentro de um livro. (...)
   O livro era agora o meu refúgio e a minha casa, onde tudo era imprevisível e estranho e onde as letras tinham espessura e cheiro como se fossem humanas. Confesso que me perdi lá dentro, como já antes me perdera no labirinto de esferovite do parque de diversões que animava os meses de verão da minha terra.

José Jorge Letria, A Mão Esquerda de Cervantes,
 Biblioteca Prestígio

sábado, 1 de agosto de 2015

NO PAÍS DA VONTADE

   Moreno, franzino, indolente, este menino de dez anos parecia andar distante de todas as vibrações. Pegou num livro e abandonou-o sem o abrir. Colheu uma flor e deixou-a. Quis passear e arrependeu-se.
   - Não tenho nada que fazer, nem me apetece fazer nada - disse, por fim, a olhar para o céu.
   Nisto, uma figura apareceu ao pé dele.
   - Acabo de ouvir uma coisa extraordinária: um menino a dizer que não lhe apetece fazer nada, nem tem nada que fazer!
   - Se é verdade, não deves surpreender-te...
   - Não devo surpreender-me? E se eu te pedir que venhas comigo ao país da vontade?
   - Irei, se for aqui perto.
   Desceram ambos ao pomar. - Chegámos: é este o país da vontade - o menino, de olhos abertos, não compreendia e chegou a pensar que o seu pai endoidecera.
   - Repara, meu filho, neste botão de laranjeira. Este botão quer ser flor; depois, a flor quer ser fruto. Neste país, tudo tem uma vontade; tudo, neste silêncio do dia, tem o propósito fundo de ser mais, de ir mais além!
   Como a tarde quer ser noite de estrelas, e a noite madrugada gloriosa a chamar a vida do homem para a luta, assim tudo aspira a progredir.
   Nascer, subir, ampliar-se!

António Botto, Contos