quinta-feira, 30 de abril de 2015

A Queda de Ícaro


   Dédalo, um escultor e inventor muito famoso, e o seu filho Ícaro foram requisitados pelo rei de Creta, Minos, para construírem um labirinto secreto nas caves do seu palácio, de modo que quem lá entrasse nunca mais pudesse sair. Dédalo e Ícaro não sabiam que a intenção do rei Minos era ali guardar o terrível Minotauro que era um monstro, metade homem e metade touro, que se alimentava de carne humana.
   Terminada a construção do labirinto, Dédalo foi pedir ao rei o pagamento do trabalho. Porém, Minos, que era perverso e cruel,  anunciou-lhe que iria aprisioná-lo na ilha com o filho, já que eles eram os únicos que conheciam o segredo do labirinto.


   - Pois muito bem - disse Dédalo. - Vamos então tentar fugir pelo ar.
   Queria dizer que voariam da ilha como aves. Juntou todas as penas que encontrou. Depois prendeu-as umas às outras e fixou-as com cera para formar duas asas.
   - Agora podemos voar - disse ele, prendendo as asas aos braços de Ícaro -, mas temos de atender a algumas regras importantes. Conserva-te logo atrás de mim e chegaremos a terra sem novidade. Não voes muito alto, senão o sol derreterá a cera. Mas também não voes muito baixo para que o mar não te molhe as penas.
   Subiram ao alto duma falésia e lançaram-se no espaço, elevando-se como águias.
   A princípio Ícaro manteve-se perto do pai, mas achou a aventura tão divertida que depressa esqueceu as suas recomendações. E começou a subir cada vez mais alto...
   ... mais perto, cada vez mais perto do calor do Sol.
   - Quando Dédalo olhou para trás, já não viu Ícaro. Chamou-o em voz alta, mas não obteve resposta.
   Descobriu depois alguns restos de penas a flutuar nas ondas, em baixo, e compreendeu que as asas tinham falhado e que Ícaro caíra no mar.


Mary Hoffman, O Meu Primeiro Livro de Mitos,
 Ed. Civilização (adaptado)



quarta-feira, 29 de abril de 2015

A PALAVRA CHORAR


   Esta história não aconteceu ainda, mas acontecerá certamente amanhã. Eis o que conta.
   Nesse dia, uma velha e boa professora levou os seus alunos, em fila de dois, a visitar o Museu do Tempo Que Passou, onde estão reunidas as coisas de antigamente que não servem já, como a coroa do rei, o vestido de cauda da rainha, o elétrico de Monza, etc..
   Numa pequena vitrina levemente empoeirada estava a palavra Chorar.
   Os pequenos alunos do Amanhã leram a etiqueta, mas não entenderam.
   - Senhora professora, o que é que isto quer dizer?
   - Trata-se de uma jóia antiga.
   - Terá pertencido aos Etruscos?
   A professora explicou que, noutros tempos, aquela fora uma palavra muito usada e que magoava. Mostrou um frasquinho onde estavam conservadas duas lágrimas; quem sabe se não as terá derramado um escravo surrado pelo patrão, ou talvez um menino sem casa.
   - Parece água - disse um dos alunos.
   - Mas escaldava e queimava - disse a professora.
   - Será que a ferviam, antes de utilizá-la?
   Os pequenos alunos não entendiam patavina e começavam já a aborrecer-se. Então, a boa professora acompanhou-os a outras secções do Museu, onde havia coisas mais simples para ver, como: a grade de uma prisão, um cão de guarde, o elétrico de Monza, etc, tudo coisas que já não existiam no país do Amanhã.


Gianni Rodari, Novas Histórias ao Telefone,
Ed. Teorema, 1988

Uma lágrima

terça-feira, 28 de abril de 2015

O POETA APRENDIZ


Ele era um menino
Valente e caprino
Um pequeno infante
Sadio e grimpante
Anos tinha dez
E asas nos pés
Com chumbo e bodoque
Era plic e ploc
O olhar verde gaio
Parecia um raio
Para tangerina
Pião ou menina
Seu corpo moreno
Vivia correndo

(...)

E achava bonita
A palavra escrita
Por isso sofria
De melancolia
Sonhando o poeta
Que quem sabe um dia
Poderia ser

Vinicius de Moraes


A Lapiseira



Eu posso viver sem sol,
sem ninguém à minha beira.
Mas só não posso viver
sem ter uma lapiseira.

Rodo com ela nos dedos,
é varinha de condão,
breve fósforo que acende
lumes de imaginação.

Pássaro de bico negro,
de negro, negro carvão
que leva às suas asas
a minha voz e canção.

Chamo o sol e os amigos
assim, à minha maneira,
viajando no papel
só com uma lapiseira.


Luísa Ducla Soares, in A Casa do Silêncio,
Bando de Gambozinos, 25 anos - "Tantas Maneiras de Ver e Viver",
Ed. Afrontamento






segunda-feira, 27 de abril de 2015

AS ASAS CRESCEM DEVAGAR

   Quando eu era pequena, a minha maior alegria era semear coisas. Semeava tudo: caroços de laranja, de nêsperas, pevides de melão, raízes ínfimas de violetas, pétalas de cravo, olhinhos amarelos de malmequer. Semeava nos vasos, nos canteiros da escola e, sobretudo, debaixo duma nespereira enorme que havia no quintal da minha casa de infância. As sementes transformavam-se. Primeiro eram folhas tenras, depois plantas que cresciam, às vezes trepavam, às vezes... não acontecia nada.
   Um dia o meu canário morreu. Logo, não percebi muito bem o que lhe tinha acontecido. Depois descobri que alguma coisa diferente, silenciosa, fria e inesperada, interrompia a vida. Então, fui também semear o canário. Durante dias e dias aguardei, debaixo da nespereira, que o canário voltasse. Primeiro, seria o bico. Depois, os olhinhos e, depois ainda, um voo rápido e uma canção.
   Passaram-se muitos anos. Quando olho lá para trás sei que descobri que a vida é um milagre. Semear qualquer coisa que fique, que cresça, que deixe um sinal, mesmo pequenino, deve ser o sentido dos nossos dias. E, em certas horas, ainda acredito que o canário voltará. É talvez uma semente que demora um pouco mais que as outras porque tem asas e as asas crescem devagar. Mas eu sei, tenho a certeza que um dia, de repente, no alto duma árvore qualquer eu avistarei essa ave. E conto com vocês que me leem para me ajudarem a descobri-la. Está bem?

Maria Rosa Colaço, in De Que São Feitos os Sonhos,
 Areal

BAMBO



   Bambo, o sapo! Criou-se ao deus-dará, como tudo o que é bom. Sem pressas, confiado no tempo e na fortuna, foi entendendo a língua pelos anos adiante até se fazer o homem que depois era, largo, grosso, atarracado. Trouxe logo do berço os olhos assim saídos e redondos, e aquelas pernas de trás em dobradiça, no mesmo instante um banco ou uma catapulta. E também a boca de pasmo, com que pelas noites adiante engolia a imensidade do céu, lhe veio de nascença aberta e vazia como um poço. Mal gatinhava ainda nas beiradas do charco onde nascera, já o corpo lhe pedia mundo, terras novas. E devagar, moroso, a suar o visco que o defendia de tudo, à chuva e ao vento, umas vezes a morrer de fome, outras entoirido de fartura, tanto andou, que não havia segundo da sua criação que tão profundamente conhecesse a veiga do Vilarinho.


Miguel Torga, Bichos,
Ed. do Autor





domingo, 26 de abril de 2015

CONTO EM VERSO 
DA PRINCESA ROUBADA

Não sei outra história
senão a que sei:
Os ladrões levaram
a filha do Rei.

- Sela o teu cavalo,
que hoje há montaria.
- Roubaram-me a filha,
não tenho alegria.

A ricos e pobres
faz El-Rei saber:
- Casará com ela o
o que ma trouxer.

- Mas se for um monstro
feio e cabeludo?
Mas se for um cego?
Mas se for um mudo?

- Ao melhor serviço
cabe a melhor paga:
Será o meu genro
Quem quer que ma traga.

Oh que lindo moço
deu com a donzela!
Como vem contente
pelo braço dela!

Nunca o Paço viu
par tão delicado:
Rosa de jardim
com seu cravo ao lado.

Que feliz o Rei,
que já tem a filha,
que já tem um genro
que é uma maravilha!

Como lhe sorri,
lhe agradece tudo!...

- Mas se fosse um monstro?

Mas se fosse um mudo?

Sebastião da Gama, Campo Aberto,
Ed. Ática

Caro Leitor


Este blog visa proporcionar momentos de leitura e descontração, sendo as escolhas de textos aleatórias.


Desejo-lhe boas leituras e conto consigo para comentar os textos publicados!


Arminda Fernandes